3.4.07
uma pérola musical do Recôncavo Baiano
Edith do Prato, Vozes da Purificação (álbum gravado em 2002), com a participação de Caetano Veloso e Maria Bethânia.
"nunca vi casa nova cair nunca vi casa nova cair"
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Paranóia do táxi
Correio de Manhã
Paranóia do táxi
Maria Bethânia chegou arreliada à Estação de Campanhã, que não, que não entrava no táxi preto que se havia aproximado, o condutor incrédulo, "a mulher deve ser maluca, então não entra porquê, que raio, o que é que o meu carro tem de mal?", bradava, inquieto, debruçado sobre a porta traseira. Bethânia mostrava-se intransigente: "Não vou. As energias desse automóvel são negativas demais, aguardaremos por um branco".
Só então percebo que o que apoquentava a cantora não era o táxi em si, mas o facto de ser preto. Como, naquele final dos anos 80, eram raros os táxis cremes, a cantora, ó teimosa, mantinha em pé a recusa e não, táxi preto não, a perna geniosa a balançar, os lábios serrados, mau feitio.
Sabia da sua afeição ao candomblé, do poder que a sua mãe-de-santo - a grande sacerdotisa baiana Cleusa de Gantois - tinha nos seus comportamentos, mas não imaginava que o seu misticismo pudesse atingir tais proporções. Balançando no braço as pulseiras, difícil e temperamental, ao mesmo tempo ardente e glacial, arengava, estendendo os longos dedos, a voz do fundo, cheia, desconcertante de mistério e de paranóia.
Finalmente o encomendado táxi não preto, ela toda magnetismo e imprevisibilidade, eu ali perdido entre o espantado e o incomodado. Por isso me surpreendeu que, ainda no táxi, começasse a soltar tiradas humorísticas e a imitar personagens comoJô Soares - com graça e malícia. Volúvel, oscilava entre o olhar nos olhos e o ar solene, a agressividade e a irreverência em repentina metamorfose, de novo contraditória ao descompor o taxista porque o julgou ousado.
"Fique sabendo que não gosto de piadas de mau gosto", disse a propósito de já não sei o quê, perfil de águia e postura de guerreiro.
Certa vez confessei a seu irmão,- 'mano Cae' - que sua mana me deixava sem jeito. "Ela é assim, vital e violenta, surpreendente e imprevisível. Tem a violência de explodir nas emoções", justificou.
Encontrei-a mais recentemente depois de um concerto no Casino da Figueira da Foz, concedeu-me dois minutos para que a pudesse cumprimentar. Disse-me: "Desculpe não o receber, mas hoje estou naqueles dias em que me sinto uma individualista feroz".
E lá foi, serena, assexuada, o longo vestido branco descobrindo um místico horizonte.
Autor: José Manuel Simoões
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Correio de Manhã
Paranóia do táxi
Maria Bethânia chegou arreliada à Estação de Campanhã, que não, que não entrava no táxi preto que se havia aproximado, o condutor incrédulo, "a mulher deve ser maluca, então não entra porquê, que raio, o que é que o meu carro tem de mal?", bradava, inquieto, debruçado sobre a porta traseira. Bethânia mostrava-se intransigente: "Não vou. As energias desse automóvel são negativas demais, aguardaremos por um branco".
Só então percebo que o que apoquentava a cantora não era o táxi em si, mas o facto de ser preto. Como, naquele final dos anos 80, eram raros os táxis cremes, a cantora, ó teimosa, mantinha em pé a recusa e não, táxi preto não, a perna geniosa a balançar, os lábios serrados, mau feitio.
Sabia da sua afeição ao candomblé, do poder que a sua mãe-de-santo - a grande sacerdotisa baiana Cleusa de Gantois - tinha nos seus comportamentos, mas não imaginava que o seu misticismo pudesse atingir tais proporções. Balançando no braço as pulseiras, difícil e temperamental, ao mesmo tempo ardente e glacial, arengava, estendendo os longos dedos, a voz do fundo, cheia, desconcertante de mistério e de paranóia.
Finalmente o encomendado táxi não preto, ela toda magnetismo e imprevisibilidade, eu ali perdido entre o espantado e o incomodado. Por isso me surpreendeu que, ainda no táxi, começasse a soltar tiradas humorísticas e a imitar personagens comoJô Soares - com graça e malícia. Volúvel, oscilava entre o olhar nos olhos e o ar solene, a agressividade e a irreverência em repentina metamorfose, de novo contraditória ao descompor o taxista porque o julgou ousado.
"Fique sabendo que não gosto de piadas de mau gosto", disse a propósito de já não sei o quê, perfil de águia e postura de guerreiro.
Certa vez confessei a seu irmão,- 'mano Cae' - que sua mana me deixava sem jeito. "Ela é assim, vital e violenta, surpreendente e imprevisível. Tem a violência de explodir nas emoções", justificou.
Encontrei-a mais recentemente depois de um concerto no Casino da Figueira da Foz, concedeu-me dois minutos para que a pudesse cumprimentar. Disse-me: "Desculpe não o receber, mas hoje estou naqueles dias em que me sinto uma individualista feroz".
E lá foi, serena, assexuada, o longo vestido branco descobrindo um místico horizonte.
Autor: José Manuel Simoões
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