30.4.06

O que é que fazes amanhã?

Nada. Valerá a pena fazer alguma coisa?

27.4.06

A "modernização" da morte


SB, Evoramonte

«A Câmara Municipal de Lisboa resolveu fazer um leilão de jazigos do Cemitério do Alto de S. João e do Cemitério dos Prazeres e ainda de terrenos já "loteados" para novos jazigos no do Alto de S. João. A câmara chama aos cemitérios, muito apropriadamente, "urbanizações funerárias". Perto de 50 pessoas foram ao leilão e o metro quadrado chegou aos 8375 euros (num caso especialíssimo) e não desceu abaixo de 2500, mesmo na categoria inferior de "ossários-columbários". Nada mau, se considerarmos que o valor médio do metro quadrado em habitação para vivos, na Área Metropolitana de Lisboa, é de 1500 euros. Para seu gozo neste tempo de austeridade, a câmara encaixou mais de meio milhão, apesar de não ter vendido tudo. Este amor pelos fiéis defuntos não deixa de ser estranho em 2006. Parece que, em matéria de mortos, Portugal também não se conseguiu "modernizar". O jazigo é, por excelência, um monumento da sociedade burguesa. O estilo varia, como é sabido: neogótico, neoclássico, neo-romântico, "Raul Lino" e por aí fora.
Mas nunca varia a intenção: a de homenagear e perpetuar um homem venerável (ou mais raramente uma mulher) e uma família. A propriedade de um jazigo nos Prazeres, ou no Prado do Repouso do Porto, era um símbolo indispensável de ascensão social. Muita gente ambicionava a grande honra de um jazigo próprio e trabalhava a vida inteira para o vir a ter: com brasão, se possível, ou, pelo menos, com estatuária alegórica às virtudes que o haviam outrora ornamentado – a Fidelidade, a Caridade, a Justiça, a Fé. A vala comum para os muito pobres, sem nome ou distinção, e a campa rasa para a pequena burguesia conservavam na morte a hierarquia do mundo.
Ontem, o leilão da câmara interessou os jornais de Lisboa, porque o jazigo é um anacronismo. Ninguém seriamente acredita na imortalidade da alma ou na ressurreição da carne. A família, como coisa perene, desapareceu. O igualitarismo não percebe ou aceita o valor da superioridade que dura e se transmite. E toda a gente, obcecada pela saúde e a juventude do corpo, esconde e nega a morte. A morte, degradada em incidente hospitalar, para comodidade do próximo, é quase invisível. Os mortos, que atrapalham e deprimem, são expeditivamente despachados para o primeiro incinerador. A câmara criou um "núcleo museológico" nos Prazeres. Qualquer dia, nos Prazeres só há o "núcleo", não há o cemitério. Uma pena.»

Vasco Pulido Valente, Público, 25 de Fevereiro

21.4.06

25 de Abril



Que alegria é essa que levas na cara?
A imensa euforia
que não te preocupas em disfarçar
Os olhares cúmplices no Terreiro do Paço
As pernas que correm para ver a revolução

- É que hoje está a ser um dia livre.

As fotografias congelaram essa manhã libertária que não vivi. Nunca Lisboa esteve tão linda como nessas horas de esperança, quando toda a gente desconheceu o futuro e pôde sonhar. Os "vivas" que ecoaram nas ruas eram puros. E a maldade ficou suspensa.

[texto para uma foto de Carlos Gil, onde se vê a multidão eufórica a correr, vinda dos cacilheiros]

19.4.06

Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa
Tenho pensado nisso muitas vezes

[Excerto do poema "Opiário", de Álvaro de Campos]

11.4.06

Gandhi (III)



No fundo, o que Gandhi propõe não é original. As religiões indianas (hinduismo, jainismo, budismo,religião sikh) convidam ao mesmo desprendimento do mundo dos sentidos, que consideram ilusório.

"The word satya means truth, and it derives from sat, wich means "to be". Sat also denotes God. Gos is that wich is. And since nothing else I see merely through the senses can or will persist. He alone is. Everything else is illusion. God is the only truth."

A "não-violência" é um antigo conceito cultivado pelo budismo até hoje (veja-se o Dalai Lama, outro grande líder religioso, que tanto me impressionou quando o vi falar na Aula Magna, em Lisboa).

O próprio Gandhi reconheceu essa falta de originalidade:

"I have nothing new to teach the world. Truth and non-violence are as ols as the hills"

Os últimos anos da vida do "Mahatma" foram de grande desapontamento. Discordou profundamente da criação de um estado hindu (Índia) e de outro islâmico (Paquistão). Queria um grande país, onde todas as fés religiosas convivessem harmoniosamente e aconteceu o ocntrário. Antes e depois da separação registaram-se massacres incríveis nos conflitos entre hindus, muçulmanos e sikhs. Morrerram centenas de milhares de pessoas e muitos tiveram que abandonar para sempre as suas terras de origem.

"I deceived myself into the belief that people were wedded to non-violence."

No dia 15 de Agosto de 47 foi declarada a independência da Índia. Gandhi não participou nas comemorações. Passou o dia a jejuar e a rezar em Cálcuta, como forma de protesto contra a violência que grassava na cidade. Acabou ele próprio por morrer violentamente, assassinado em Deli por um zelota hindu.

5.4.06

Gandhi (II)


Gandhi era um homem obstinado, convicto das suas razões, algumas delas bastante discutíveis. Por exemplo, a sua condenação das máquinas (que iriam fazer com que os indianos deixassem de praticar o crucial "trabalho manual" e ficassem sem ocupação), ou a sua participação em sessões "sacramentais" de queima de roupa importada.

"Depois de viagens por toda a India, cheguei à conclusao que a unica forma de remover a miseria de milhoes de pessoas é boicotar a roupa estrangeira."

A propria "não-violência", conceito basilar da sua filosofia, é discutivel. Só é infalivel para quem esteja disposto a morrer por ela, como notou Bertrand Russel:

"Non-violent resistance - it certainly has an important sphere: as against the british in India, Gandhi led to triumph. But it depends upon the existence of certain virtues in those against it is employed. When indians lay down on railways and challenged the autorithies to crush them under trains, the british found such cruelty intolerable."

A questao que Russel coloca é: Perante um opressor que estivesse disposto a usar de toda a crueldade para manter o seu jugo, qual seria a eficacia da nao violencia? Nenhuma, segundo Russel: toda, de acordo com Gandhi. Gandhi era extremamente religioso. Estaria disposto a sacrificar-se e a sacrificar quantos fossem precisos para fazer com que o adversário reconhecesse a sua má conduta. Por exemplo, o que faria se fosse judeu e estivesse prestes a ser massacrado pelos nazis?

"If I were a jew and were born in Germany and earned my livelihood there, I would claim Germany as my home even as the tallest gentile German might, and challenge him to shoot me or cast me in the dungeon... And for doing this I should not wait for the fellow Jews to join me in civil resistance, but would have confidence that in the end the rest were bound to follow my example. If one Jew or all the Jews were to accept the prescription here ofered, he or they cannot be worse off than now (...) If the Jewish mind could be prepared for voluntary sacrifice, even the massacre I've imagined could be turned into a day of thanksgiving that Jeovah had wrought deliverance of the race even at the hands of a tyrant. For the God-fearing, death has no terror."

Independentemente destas questões, considero Gandhi uma das personalidades da historia da humanidade. Veja-se o que sobre ele escreveram estes escritores:

"And it was shown that very large groups of men and women could be trained to respond to the most brutal treatment with a quiet courage and equanimiry that profoundly impressed the public opinion of the hole civilized world"
Aldous Huxley

"Not since Buddha has India so reverenced any man. Centuries hence he will be remembered when of his ocntemporaries hardly a name would survive."
Will Durandt

É claro que nao foi uma figura consensual. Muitos ocidentais ficaram incomodados e perplexos com a atitude de Gandhi. Acharam-na condenável, desrespeitosa. Churchill, que era um conservador e um apologista do império britânico, pronunciou-se sobre ele quando o Vice-rei da Índia se viu obrigado a reconhecer-lhe importância e a recebê-lo como se fosse um chefe de Estado. Gandhi apresentou-se coberto com o seu habitual lençol branco.

"I'm revolted by the nauseating and humiliating spectacle os this one time Inner Temple lawyer, now seditious fakir, striding half-naked up the steps of the viceroy's palace, there to negociate and to parley on equal terms with the representative of the king emperor."



Gandhi achou elogioso o epíteto de fakir. Mais tarde, quando visitou Londres, tentou encontrar-se com Churchill, mas este não se mostrou interessado. O "Mahatma" escreveu uma espécie de estatutos do ashram, um conjunto de princípios que todos os que vivessem na comunidade deveriam respeitar. Gosto particularmente destes:

Non violence or love - Mere non-killing is not enough. The active part of non-violence is love. The rule of love requires equal consideration for all life feom the tiniest insect to the highest man. One who follows this law must not be angry even with the perpetrator of the greatest imeginable wrong, but must love him well and serve him. Althoug we must thus love the wrong doer, we must never submit to his wrong or his injustice, but must opose it and must patiently and without resentment suffer all the hardships to wich the wrong doer may subject us in punishment four our opposition.

Non Possession or Poverty - Just as one must not receive so must one not possesse anything wich does not really need. It would be a breach of principle to possess unnecessary foodstuffs, clothes or furniture. For instance, one must not keep a chair if one can do without it. In observing this principle one is lead to a progressive simplification of ones life

Equality of religions - The ashram believes that the principal faiths of the world constitute a revelation of truth but as they have all been out-lined by imperfect man they have been affected by imperfections and alloyed with untruth. One must therefore entertain the same respect for all the religious faiths os other's as one accord's to one's own. Where such attitude becames a law of life, conflict between diferent faiths becomes impossible and so does all the efforts to convert other people to one's one faith. One can only pray that the defects in the various faiths may be overcomed and that they may advance side by side towards perfection.

(continua)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?