30.10.05

"This is a history of the Gulag: a history of the vast network of labour camps that were once scattered across the lenght and breadth of the Soviet Union, from the islands of the White Sea to the shores of the Black Sea, From the Artic Circle to the plains of central Asia, from Murmansk to Vorkuta to Kazakhstan, from central Moscow to the Leningrad suburbs. Literally, the worg GULAG is an acronym, meaning Glavnoe upravlenie lagerei, or Main Camp Administration. Over the time, the word ‘Gulag’ has also come to signify not only the administration of the concentration camps but also the system of Soviet slave labour itself, in all its forms and varieties: labour camps, punishment camps, criminal and political camps, womens’s camps, children camps, transit camps. Even more broadly, ‘Gulag’ has come to mean the Soviet repressive system itself, the set of procedures that prisoners once called the ‘meat-grinder’: the arrests, the interrogations, the transport in unheated cattle cars, the forced labour, the destruction of families, the years spent in exile, the early and unnecessary deaths."

Gulag – A History, de Anne Applebaum, publicado pela Random House (2003) e pela Penguin (2004) e vencedor do prémio Pulitzer 2004 para a não-ficção

25.10.05

Doclisboa

Decorreu na semana passada a terceira edição do Doclisboa, nas confortáveis instalações da Culturgest. Foi a primeira vez que tive oportunidade de assistir ao evento e gostei imenso da qualidade da programação. Para além da excelente retrospectiva ao americano Ross McElwee, destaco estes três documentários:

Documento Boxe
de Miguel Clara Vasconcelos
53’ Portugal 2005

Cinco situações que influenciam directamente a carreira do pugilista profissional Jorge Pina. Conhecemos Mário, um pugilista amador, Casteli, o presidente da associação de boxe, Vítor, o treinador, o próprio Jorge Pina e Magalhães, o “manager”. A preparação nos balneários, as pesagens dos atletas, o convívio, os treinos, os ginásios e os elementos que rodeiam um combate


A Decent Factory
de Thomas Balmés
79’ França 2004

É possível ter lucros e ser ético? As questões éticas estão a tornar-se mais graves para as empresas ocidentais à medida que estas mudam a sua produção para países de mão de obra mais barata. “A Decent Factory” segue uma Investigadora de Ética da Nokia na sua viagem até à China para visitar fornecedores de componentes da empresa. Choques entre culturas, entre ética e lucro, tornam-se óbvios neste novo documentário de Thomas Balmès. O filme dá a ver o que acontece quando uma puritana nórdica sem experiência histórica do colonialismo enfrenta as realidades da globalização através do seu próprio trabalho.

El Cielo Gira
de Mercedes Álvarez
115’ Espanha 2005

Aldealseñor (Castilla, Espanha), uma aldeia de catorze habitantes, os últimos de uma geração com mil anos de história. Hoje a vida continua mas em breve desaparecerá sem deixar vestígios. Os habitantes e o pintor Pello Azketa partilham algo: o mundo evapora-se diante dos seus olhos. A realizadora regressa à sua origem para testemunhar esse desaparecimento.

(Textos da organização)

23.10.05

eufemismos

não se diz "mais pobres", diz-se "menos ricos"
bairro social é feio, diga-se "condomínio aberto"
preto é racismo, certo é "afro-português"
violência policial está incorrecto: deve dizer-se "uso de meios coercivos"
analfabetismo significa "preservação da tradição cultural"
ignorante é "aquele que sabe menos"
ladrão é "curador de bens alheios"
e a sua mãe não está doente: "vende pouca saúde"
o seu pai não bebe, "tem sedes frequentes"
você não se separou, "vive só"
nem tem fome: "come menos"
drogado soa mal: "consumidor de substâncias recreativas" parece melhor
e a sua roupa não está coçada: "é poupado"
- Vá lá, homem, componha-se! Tenha dignidade, peito para fora! Não me venha pedir esmola, peça uma "ajuda financeira", nem me diga que é um desempregado de longa duração, você é um "profissional liberal na área do lazer". Para a próxima vez que tiver de se apresentar, diga: "afro-português, menos rico, vítima da preservação da tradição cultural, que sabe e come menos, vive só, é poupado, cuja mãe vende pouca saúde, o pai tem sedes frequentes e que desempenha funções como profissional liberal da área do lazer, com part-time como curador de bens alheios, consumindo, por vezes, substâncias recreativas."

(10/4/2002)

17.10.05




PB, Bombain 2004

Efeméride estritamente pessoal: faz agora um ano e estava a partir para Nova Deli e para dois dos mais exaltantes meses da minha vida.

Agora tenho sido, como Ahmad, um
Viajante sem sair do sítio

- De onde és? – pergunta-me Ahmad, um taxista de Deli.
- De Portugal.
- Portugal… Ah, Lisboa!
Na caótica capital indiana este reconhecimento já é uma demonstração de cultura. Todos perguntam mas quase ninguém parece ter ouvido falar do país, apesar das ligações históricas que unem a Índia e Portugal.
Vestido com a jalaba e o kufi típicos dos muçulmanos, o barbudo Ahmad está bem disposto. Talvez o ânimo se deva ao facto de nos encontrarmos em pleno Ramadão e de a noite ter caído sobre Deli, permitindo que quebrasse o jejum a que os islamitas estão obrigados. Como todos os indianos, Ahmad é muito curioso. Quer saber para onde vou a seguir.
- Eu conheço Goa, Damão e Diu - diz. Nunca lá estive, mas vi no mapa.
Mais tarde, sorriu com encantamento quando falou de Lisboa. Tinha visto a cidade na televisão por altura do Campeonato Europeu de Futebol.
- Lembro-me da ponte e do rio. Muito bonito!
É daqueles homens que, não podendo fazê-lo doutra forma, viajam contemplando mapas e imagens. A conversa decorre por entre o trânsito intenso de Deli e, tal como canta Tom Waits em "Stange Weather" (And all over the world/ Stangers talk only about the weather/ All over the world it’s the same/ It’s the same), diverge para o clima e para as vantagens do "auto-riquexó" (um triciclo motorizado com lugar para três passageiros) em tempos de canícula.
- Aqui no Verão faz muito calor, entre 40 e 45 graus. É muito, mas estes "auto-riquexós" são bons porque entra muito vento. A poluição é menor, porque o pó sobe e não fica tão concentrado na superfície [enquanto falamos, há gente que passa com máscaras no rosto]. Mas faz mesmo calor! Uff!
E ri-se. Decido fazer-lhe uma pergunta ingénua:
- E vocês não param para descansar depois do almoço, quando faz mais calor? Os espanhóis, por exemplo, fazem isso…
- Não, eu não posso parar. Paguei 115 mil rupias por este táxi e pedi empréstimo. Todos os meses tenho que pagar a prestação. Se não pagar, aumenta o juro. Se não pagar durante muito tempo, ele vem tirar-me o táxi. Por isso, tenho que trabalhar sempre.
Por isso, Ahmad vai conhecendo o mundo "sem nunca lá ter estado". E cada estrangeiro que transporta no seu táxi é mais uma pequena fuga às ruas congestionadas e poeirentas de Deli.
(Crónica publicada em 2005)


PB, Varanasi 2004

"Errar sozinho de um ao outro canto da terra
Fugindo ao nosso mundo e ao seu famoso progresso"
Mário Cesariny

14.10.05

"Depois de há uns tempos atrás ter tido um visitante que chegou até este espaço através de uma pesquisa, no Google, com a expressão "cortar os testículos", calhou-me desta vez um outro cibernauta que efectuava a seguinte procura: "ela colocou a mão nos testículos".
Espero sinceramente que não seja o mesmo cibernauta, já que algo me leva a crer que se ela "colocar a mão" nos, ditos, "testículos", será mesmo para os "cortar".

Felizmente, já que nem tudo têm sido pesquisas sobre "sangue" ou sobre o baixo-ventre, gostava de salientar a pesquisa de um outro cibernauta que procurava uma “frase para homens apaixonados”.
Algo me leva a crer que não encontraste isso aqui, amigo, mas espero que, com ou sem frases, essa paixão tenha sempre todas as palavras para andar; já que, muitas vezes, as pernas são um instrumento menor de locomoção e a distância de centímetros do silêncio pode levar horas e horas a percorrer, sem de nada adiantar os alfas pendulares ou os aviões a jacto."

Ricardo Marques, Sangue na Navalha

12.10.05

the hours rise up putting off stars and it is
dawn
into the street of the sky light walks scattering poems

en earth a candle is
extinguished the city
wakes
with a song upon her
mouth having death in her eyes

and it’s dawn
the world
goes forth to murder dreams...

i see in the street where strong
men are digging bread
and i see the brutal faces of
people contented hideous hopeless cruel happy

and it’s day

in the mirror
i see a frail
man
dreaming
dreams
dreams in the mirror


and it
is dusk on earth

a candle is lighted
and it is dark.
the people are in their houses
the frail man is in his bed
the city

sleeps with death upon her mouth having a song in her eyes
the hours descend,
putting on stars...

in the street of the sky night walks scattering poems


e.e. cummings, livrodepoemas


as horas levantam-se despindo-se de estrelas e é
o amanhecer
na rua do firmamento a luz caminha espalhando poemas

sobre a terra uma vela é
apagada a cidade
desperta
com uma canção sobre a
boca tendo a morte nos olhos

e é o amanhecer
o mundo
sai para assassinar sonhos
...

vejo a rua onde vigorosos
homens se alimentam de pão
e vejo os brutais rostos de
pessoas contentes hediondas desalentadas cruéis felizes

e é dia

no espelho
vejo um frágil
homem
sonhando
sonhos
sonhos no espelho

e é
o anoitecer sobre a terra

uma vela é acesa
e está escuro.
as pessoas estão em casa
o frágil homem está na cama
a cidade

dorme com a morte sobre a boca tendo uma canção nos olhos
as horas descem,
vestindo-se de estrelas...

na rua do firmamento a noite caminha espalhando poemas


e.e. cummings, livrodepoemas, traduzido por Cecília Rego Pinheiro

10.10.05

é verdade você é um génio é inteligente é um amigalhaço por quem eu punha as mãos no fogo e digo-lhe mais se existe um nobel nesta categoria era seu era bem que falassem tão bem de si como falam tão bem de nós a imprensa não poupa nos elogios para descrever o novo ford focus c max com o fabuloso motor diesel 1.6 tdci com 109 cavalos e até 31 de março o ar condicionado é de série em toda a gama novo ford focus c max qualidade em todos os sentidos há notícias do euro 2004 dentro de instantes nesta tarde informativa agora a informação da bolsa de lisboa que fechou hoje positiva com uma série de novos máximos anuais susana dias silva o psi 20 ganhou 1,13% numa sessão em que mudaram de mãos 80,8 milhões de acções no valor de 178 milhões e 500 mil euros as acções da pararede lideraram o volume de negócios e os ganhos percentuais trocaram-se mais de 38 milhões de acções da empresa que subiram mais de 9% para os 36 cêntimos depois de terem tocado num novo máximo nos 38 cêntimos cheia de gás a edp subiu para dois euros e 24 e fixou um novo máximo em quase dois anos nos dois euros e 25 a pt avançou mais de 2% há dois anos que não subia tão alto o que constitui um

7.10.05

Sobre as autárquicas: os caciques, hoje como ontem

It was virtually impossible for any political aspirations to find legal expression outside the two great oligarchical parties. Liberal and Conservative governments followed one another with soporific regularity. When results were not faked in the Ministry of the Interior, they were fixed at the local level. The system of electoral falsification rested on the social power of local town bosses or caciques (a South American Indian word meaning ‘chief’). In the northern small-holding areas, the cacique was usually a money lender, one of the bigger landlords, a lawyer or even a priest, who held mortages on the small farms. In the areas of the great latifundio estates, New Castile, Extremadura or Andalusia, the cacique was the landowner or his agent, the man who decided who worked and therefore who did not starve. Caciquismo ensured that the narrow interests represented by the system were never seriously threatened.
On occasion, over zealous local officials would produce majorities by more than 100 per cent of the electorate. It was not unknown for results to be published before the elections took place. As the century wore own, casual falsification became somewhat more difficult and, if the requisite number of peasant votes could not be mustered, the caciques were said sometimes to register as voters the dead in the local cemetery. In consequence, politics became an exclusive minuet danced out by a small privileged minority. The nature of politics in the period of caciquismo is illustrated by the celebrated story of the cacique of Motril in the province of Granada. When the coach with the election results arrived from the provincial capital, they were brought to him in the local Casino (club). Leafing through them, he pronounced to the expectant hangers-on the following words: ‘We the Liberals were convinced that we would win these elections. However, the will off God has decreed otherwise.’ A lengthy pause. ‘It appears that we the Conservatives have won the elections’. Excluded from organized politics, the hungry masses could choose only between apathy and violence. The inevitable outbreaks of protest by the unrepresented majority were dealt with by the forces of order, the Civil Guard and, at moments of greater tension, the army.

Paul Preston, A Concise History Of The Spanish Civil War, págs. 14, 15, publicado pela FontanaPress

6.10.05


PB

"Cristo era comunista?" Fotografia tirada em Veneza, Janeiro de 2005

4.10.05

Sobre as autárquicas: o "rouba mas faz"

"Tenho sempre uma certa relutância emescrever sobre os "pequenos", ou seja,no caso, sobre Fátima Felgueiras, como antes dela tive em escrever sobre Isaltino ou sobre o major Loureiro, embora admita que nem Isaltino,nem Loureiro pertencem rigorosamente à raça. Essa relutância vem de uma razão prosaica: não ando a dormir e, em 30 anos, já pude perceber que os maiores "beneficiários" do regime não foram com certeza as criaturas um pouco patéticas que acabaram na televisão e nos jornais. O tráfego de influência, a fraude a sério, o negócio verdadeiramente corrupto, ficam por força e tradição entre indivíduos muito respeitáveis, que ninguém conhece e que nunca por nunca fazem falar de si. Ainda por cima, o grande crime, bem guardado por um exército de advogados, consegue conservar uma ficção de legalidade: uma assinatura aqui, um despacho ali, uma conversa acolá — e as coisas correm docemente. Sabendo isto, despejar, tremendo, a indignação da praxe sobre a real insignificância de Isaltino, de Loureiro e de Fátima e opinar, com melancolia e pompa, sobre a famosa "moralidade da vida política" dá a impressão desagradável de bater no bode expiatório. Não porque eles mereçam qualquer condescendência. Mas porque o alarido esconde a enorme vigarice instituída, que os costumes permitem, o Estado consente e a televisão e os jornais largamente ignoram. Se alguém se aplicasse a descobrir o que valem hoje e o que valiam há vinte ou trinta anos certas personagens do regime, não perderia um décimo de segundo com a putativa delinquência de Fátima Felgueiras. Queimar a bruxa (mesmo a bruxa má) não me parece, em princípio, um exercício produtivo e saudável. Claro que por detrás do episódio, como por detrás da história de Isaltino e de Loureiro, há uma realidade inquietante: o cinismo do eleitorado. Apoiando este extraordinário grupo, o eleitorado, ou pelo menos parte dele, está a comunicar à justiça e aos partidos: "Todos roubam. Toda a política é um roubo organizado, que os senhores protegem. Escusam de nos dizer que eles são piores — não são. São até melhores porque nos trataram bem. Se agora resolveram limpar a casa, comecem por outro lado." Se os três ganharem, ou se um deles ganhar, não importa qual, é o regime que perde. Não vale a pena inventar desculpas. Quando o voto rejeita expressamente a decência comum, não se pára mais."

Vasco Pulido Valente, Público, 24 Setembro

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