29.8.07

"Não se trata apenas da mera impossibilidade de se prever todas as consequências lógicas de determinado acto, pois se assim fosse um computador electrónico poderia prever o futuro; a imprevisibilidade decorre directamente da história que, como resultado da acção, se inicia e se estabelece assim que passa o fugaz instante do acto. O problema é que, seja qual for a natureza e o conteúdo da história subsequente – quer transcorra na vida pública ou na vida privada, quer envolva muitos ou poucos actores – o seu pleno significado só se revela quando ela termina. Ao contrário da fabricação, em que a luz à qual se julga o produto final provém da imagem ou modelo percebido de antemão pelo artífice, a luz que ilumina os processos da acção e, portanto, todos os processos históricos, só aparece quando eles terminam – muitas vezes quando todos os participantes já estão mortos. A acção só se revela plenamente para o narrador da história, ou seja, para o olhar retrospectivo do historiador, que realmente sabe sempre melhor o que aconteceu do que os próprios participantes. Todo o relato feito pelos próprios actores, ainda que, em raros casos, constitua uma versão fidedigna das suas intenções, finalidades e motivos, não passa de fonte útil nas mãos do historiador e nunca tem a mesma significância e veracidade da sua história. Aquilo que o contador de histórias pretende narrar deve necessariamente permanecer oculto para o actor, pelo menos enquanto este último estiver empenhado no acto ou nas suas consequências, pois, para o actor, o sentido do acto não está na história que dele decorre. Muito embora as histórias sejam o resultado inevitável da acção, não é o actor, mas o narrador que percebe e 'faz' a história."

Hannah Arendt; A Condição Humana, pág. 242 (edição Relógio de Água)


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