4.7.06

fragmentos estilhaços granadas


Acabou de sair o livro "fragmentos estilhaços granadas" (Palimage Editores), de Ricardo Marques. Meu contemporâneo, conterrâneo, amigo, Ricardo consegue (talvez sem o saber, ou sem ter essa intenção) retratar a nossa cidade de forma subtil. Ali está o que Coimbra pode fazer aos seus melhores, como Coimbra é um sítio onde não se deve envelhecer. O andar às voltas em becos sem saída, a poesia (quase) suicidária... Alguns excertos:

9... na invisibilidade do possível...

Ele sabe que nasceu fora do tempo e do contexto no parágrafo errado da história certa para ser lida a qualquer criança que sonhe em dormir ele atravessa a ponte vislumbrando o rio débil fio de água para a sede do gigante que não se vê ele vive na invisibilidade do possível mas como já não há heróis ele apenas nevega na impossibilidade das coisas.


21... minete ao Diabo

Escuta está frio demais para me contentar com o calor do teu amor que não existe na televisão uma orgia de três mulheres e dois homens não aquece nem arrefece um filme polaco dobrado em espanhol os gemidos espraiam-se sais de qualquer maneira para o velho bar que está para abrir falência já não tens jeito ao balcão Deus não é uma mulher que tu possas seduzir desesperado e triste contentas-te com um minete ao Diabo.


23... espera pelo amanhã quando este se lembrar de ser ontem...

Noite falta de talento do que escreve estas histórias banais de dor de corno espera o telefonema de alguém que não telefona pois já morreu o tempo passa por cima destas linhas com a consciência de que nenhuma das palavras lhe sobrevirá estás sozinho não é novidade para a garrafa de vodka mas está demasiado frio e todos os cafés fecharam.
Espera pelo amanhã quando este se lembrar de ser ontem.



[Contracapa]



24... a jovem R...

A jovem R sorriu quando me viu no teatro com os seus olhos verdes e quando me viu minutos depois no passeio escuro sorriu outra vez comentando que já era a segunda e eu sorri com os meus olhos pretos nebulosos e baços pensando que a podia arrastar junto a mim e dar-lhe então o que ela queria ou que precisave mas... é claro que eu não sabia o que a jovem R queria ou que precisava mas podia ser mesmo aquilo que se faz que se pensa em qualquer passeio escuro pois este é o meu poema e nele tudo é possível.
E foi isso que fiz.


36... para que as feras adormecidas venham beber no teu leito...

Nada que existe que antes não se tenha imaginado imagino-te assim passeando na solidão do passeio que ladeia o rio da nossa cidade está calor e está seco da mesma maneira que a fonte também secou mas a sede é ainda imensa a nossa sede é ainda imensa e não se satisfaz com água pés e com guaranás continua assim espera que então anoiteça para que as feras adormecidas venham beber no teu leito.


38... lábios coxas óculos escuros boca...

Suicido-me lentamente escrevendo poemas na falta de uma vida o café a colher dissolve lá fora o limão corta a heroína por que é que eu me ralo se o dia chega ou não a acabar por que é que as palavras apenas escondem o que nunca é dito entra a actriz do vestido vermelho e riso vermelho lábios coxas óculos escuros boca mas as cortinas deste teatro nunca se levantaram também eu assim como outros enganados batendo palmas ao cair do pano.


39... não basta...

Alguns dias são do anjo outros são do abismo outros são de coisa nenhuma outros são de nenhuma coisa outros são de coisa alguma outros são de alguma coisa.

Só que mesmo assim não basta.

[sublinhados do autor]
Comments:
Parabéns ao Ricardo!! Os filhos de Coimbra têm alma.

Um abraço
 
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