4.6.06

"De modo que, de facto, temos de libertar as nossas várias personalidades hoje completamente reprimidas… Umas das coisas que nos reprime a personalidade é o facto de termos de exercer no mundo uma profissão, de termos de ter um trabalho. Então por mais que cultivemos nossas vocações, na realidade pomos muita coisa de parte, porque a complexidade do mundo não dá tempo para o homem ser, por exemplo, ao mesmo tempo um grande médico e um grande engenheiro, embora num ou noutro ponto possa ter uma ideia de engenharia ou ser um engenheiro com uma ideia de medicina, mas como profissão, como aplicação total das suas forças, não é possível. Então o segredo para nós podermos desenvolver a nossa personalidade vai ser o de ver de que maneira vamos abolir no mundo a obrigação do trabalho, de que modo vamos organizar as coisas de modo a que as coisas materiais, digamos, as máquinas, trabalhem para nós. Ora, para construir as máquinas, só podemos fazê-lo sob o império do imprevisível. Nunca ninguém enamorado do imprevisível conseguiu construir uma máquina. Então foi preciso que a Humanidade vivesse completamente no domínio do previsível e no qual, provavelmente, vai ter de continuar ainda algum tempo, anos ou séculos, não sabemos, para que realmente a máquina chegue à sua máxima elaboração, cujo fim será o de nunca nos oprimir, em que só tenham que trabalhar com ela os homens que lhe tenham amor, homens que estejam apaixonados pela máquina; ao passo que hoje a maior parte das pessoas trabalha com ódio à máquina e por isso é que tanta gente tem medo das invenções técnicas, porque tem medo que elas venham a ser opressoras da Humanidade e, efectivamente, se o homem não tiver dentro de si o ideal do imprevisível, será a vítima das máquinas."
Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio & Alvim, págs. 37, 38


“Estou agora a lembrar-me de uma amiga minha que acha que a partir de certa altura as pessoas deviam transformar-se todas em ciganos e percorrer o mundo. Ela acha que devia haver, de onde em onde, no mundo lugares onde se acolhessem as caravanas. No Oriente havia um local onde a caravana chegava, estava ali um tempo, administrava-se, via o que precisava, renovava o seu fornecimento e seguia depois para outro lugar. E de certo modo isso devia ser o hábito de toda a gente durante uma parte da sua vida - andar pelo mundo. E quando achasse que devia regressar, voltava ao lugar escolhido durante as viagens, porque para uma pessoa pode haver um lugar que lhe é muito mais a aldeia ideal do que aquele onde nasceu. . . então devia voltar aí, fixar-se e servir ali a outras caravanas que viessem. Pois ninguém devia morrer sem ter percorrido o mundo. E, portanto, aí está a sua ideia de ser preciso que toda a gente tenha a possibilidade de não ter muros – essa é a grande coisa no mundo!"
Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio & Alvim, pág. 57
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