5.5.06
"um vazio terrível e angustiante"
"É extraordinária a avidez com que as pessoas vasculham o 'material literário' empilhado nas salas de espera dos consultórios. Será para se distraírem da provação que as espera? Ou será para compensar o tempo perdido, como afirmam, para 'ficarem a par' dos acontecimentos correntes? As minhas observações limitadas dizem-me que essas pessoas já tiveram mais do que o seu quinhão de “acontecimentos correntes” – isto é, guerra, acidentes, mais guerra, catástrofes, de novo guerra, crimes, mais uma vez guerra, suicídios, outra vez guerra, assaltos a bancos, guerra e mais guerra, quente e fria. Sem dúvida que estes são os mesmos indivíduos que mantêm a rádio ligada durante a maior parte do dia e da noite, que vão ao cinema com tanta frequência quanto possível - onde obtêm mais notícias frescas e ficam a par de mais 'acontecimentos correntes' - e que compram aparelhos de televisão para os filhos. Tudo para ficarem informados! Porém, na realidade, o que sabem que valha a pena saber sobre esses acontecimentos terrivelmente importantes que abalam o mundo?
As pessoas podem insistir que devoram os jornais ou que colam os ouvidos à rádio (por vezes, os dois ao mesmo tempo!) a fim de acompanharem o que se passa no mundo, mas é pura ilusão. A verdade é que, no momento em que esses pobres indivíduos deixam de estar activos, ocupados, tomam consciência de um vazio terrível e angustiante dentro de si mesmos. Para falar com franqueza, não interessa muito de que para se alimentam, desde que consigam evitar ficar face a face consigo mesmos. Meditar no problema do dia, ou mesmo nas questões pessoais, é a última coisa que o indivíduo normal deseja fazer."
Henry Miller, Os livros da minha vida (edição original de 1969, versão portuguesa de 2004 – Antígona)
As pessoas podem insistir que devoram os jornais ou que colam os ouvidos à rádio (por vezes, os dois ao mesmo tempo!) a fim de acompanharem o que se passa no mundo, mas é pura ilusão. A verdade é que, no momento em que esses pobres indivíduos deixam de estar activos, ocupados, tomam consciência de um vazio terrível e angustiante dentro de si mesmos. Para falar com franqueza, não interessa muito de que para se alimentam, desde que consigam evitar ficar face a face consigo mesmos. Meditar no problema do dia, ou mesmo nas questões pessoais, é a última coisa que o indivíduo normal deseja fazer."
Henry Miller, Os livros da minha vida (edição original de 1969, versão portuguesa de 2004 – Antígona)
Comments:
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Sábias palavras do Henry Miller. A solidão é a peste negra do nosso século. Escurece-nos por dentro e espalha-se sobretudo onde há grandes multidões. Eu sinto-me só nas discotecas, porque não tenho com quem conversar. Casais de estranhos fazem refeições cobertos do pânico de um dia a televisão se avariar.
Por outro lado, a fome com que se lê as revistas de consultório já não se mascara com a vontade de estar a par do que sucede no mundo. É uma vontade diferente, a vontade de saber a vida alheia, os últimos mexericos, os escândalos, as infidelidades, as aventuras, os dramas pessoais dos outros. As revistas de consultório são cor-de-rosa. Ajudam-nos a não contactarmos connosco, fugindo da solidão e do vazio. E ajudam-nos consolando-nos (mórbido consolo) dizendo que há tantos outros como nós. Vazios. A sofrer. Traídos. A trair. Doentes. Tão sós como nós na sala de espera do consultório.
Por outro lado, a fome com que se lê as revistas de consultório já não se mascara com a vontade de estar a par do que sucede no mundo. É uma vontade diferente, a vontade de saber a vida alheia, os últimos mexericos, os escândalos, as infidelidades, as aventuras, os dramas pessoais dos outros. As revistas de consultório são cor-de-rosa. Ajudam-nos a não contactarmos connosco, fugindo da solidão e do vazio. E ajudam-nos consolando-nos (mórbido consolo) dizendo que há tantos outros como nós. Vazios. A sofrer. Traídos. A trair. Doentes. Tão sós como nós na sala de espera do consultório.
Certíssimo, Agostinho. E já viste o que seria se todas as televisões deste mundo se avariassem? Sem esse sedativo, muitos teriam que recorrer à psiquiatria...
Mas o que me impressiona é a voracidade das pessoas, a sua incapacidade de estarem tranquilas. Têm sempre que estar a ser estimuladas pela electricidade. Telemóveis, computadores, televisões, Ipods e trinta por malinha... As pessoas fazem tudo para não pensar, para andarem dispersas e alegres. Se calhar é melhor assim, mas não deixa de ser estupidificante o que eu vejo à minha volta.
Mas o que me impressiona é a voracidade das pessoas, a sua incapacidade de estarem tranquilas. Têm sempre que estar a ser estimuladas pela electricidade. Telemóveis, computadores, televisões, Ipods e trinta por malinha... As pessoas fazem tudo para não pensar, para andarem dispersas e alegres. Se calhar é melhor assim, mas não deixa de ser estupidificante o que eu vejo à minha volta.
O problema de toda essa argumentação que vocês os dois apresentam é que parece sempre apontar para um mirífico passado em que as coisas não eram assim.
Antes de haver televisão éramos todos tranquilos?
A humanidade pré-TV era composta de indivíduos sociáveis e alegres que passavam os dias em poses meditabundas de contemplação?
Antes das revistas de consultórios tínhamos uma cidadania culta e interessada que lesse filosofia e metafísica?
Onde fica este vosso idílico passado? Em 1969? Em 1900? Em 1850? Em 1420?
Não culpem a TV, nem os iPods, nem as discotecas. A espécie humana é como é.
O "vazio terrível e angustiante" sempre lá esteve. Ao menos com os jornais e a rádio e as revistas e as TV e tudo o resto temos alguma coisa para nos entretermos. A nossa vida não seria melhor nem mais rica se deitássemos fora essa tralha.
Antes de haver televisão éramos todos tranquilos?
A humanidade pré-TV era composta de indivíduos sociáveis e alegres que passavam os dias em poses meditabundas de contemplação?
Antes das revistas de consultórios tínhamos uma cidadania culta e interessada que lesse filosofia e metafísica?
Onde fica este vosso idílico passado? Em 1969? Em 1900? Em 1850? Em 1420?
Não culpem a TV, nem os iPods, nem as discotecas. A espécie humana é como é.
O "vazio terrível e angustiante" sempre lá esteve. Ao menos com os jornais e a rádio e as revistas e as TV e tudo o resto temos alguma coisa para nos entretermos. A nossa vida não seria melhor nem mais rica se deitássemos fora essa tralha.
Alas, confesso: o comentário anterior todo era fundamentalmente um pretexto para eu poder escrever "meditabunda". Gosto muito dessa palavra.
Umberto Eco imaginou um cataclismo que colocaria a Nova Iorque do século XX na Idade Média em poucos dias. Imaginar que todas as televisões se fundissem poderia provocar algo do género. Não só voltaríamos à Idade Média, como seguramente iríamos cair em plena batalha de Aljubarrota (para citar a mais sangrenta). Ou seja, nem a onda e a imagem a fixar-nos o olhar, iríamos matar-nos todos uns aos outros, incapazes de suportar o vazio que encontraríamos.
Quanto à questão (meditabunda - gostei) do Tiberius, não creio que esteja em nós essa ideia de um passado paradisíaco (se estiver, é fruto da nossa formação judaico-cristã). Unicamente precisamos de acreditar que um dia fomos melhores, já que, a julgar pelo século passado, se torna difícil acreditar que estamos a progredir. É um triste consolo, mas tão doce como imaginar as televisões fundidas nem que por um só dia...
Quanto à questão (meditabunda - gostei) do Tiberius, não creio que esteja em nós essa ideia de um passado paradisíaco (se estiver, é fruto da nossa formação judaico-cristã). Unicamente precisamos de acreditar que um dia fomos melhores, já que, a julgar pelo século passado, se torna difícil acreditar que estamos a progredir. É um triste consolo, mas tão doce como imaginar as televisões fundidas nem que por um só dia...
Eu não acho que haja um passado mirífico, acho sinceramente que vivemos, apesar de tudo, no melhor estágio da humanidade. Hoje há mais possibilidade de conhecimento e de viagem do que nunca, há mais democracia e igualdade.
O que eu contesto nõa é a televisão em si. A televisão é um magnífico invento e eu costumo vê-la.
Contesto o uso que muitas pessoas fazem dela, embriagando-se de imegens até ao entorpecimento... Mas quem fala de televisão poderia falar de livros, ou de música. Todas essas coisas podem estimular a inteligência, mas apenas se bem utilizadas.
De resto, tb acho que a espécie humana "é como é".
O que eu contesto nõa é a televisão em si. A televisão é um magnífico invento e eu costumo vê-la.
Contesto o uso que muitas pessoas fazem dela, embriagando-se de imegens até ao entorpecimento... Mas quem fala de televisão poderia falar de livros, ou de música. Todas essas coisas podem estimular a inteligência, mas apenas se bem utilizadas.
De resto, tb acho que a espécie humana "é como é".
@Agostinho: Pois as minhas reservas aqui são precisamente que eu não acho que...
Unicamente precisamos de acreditar que um dia fomos melhores, já que, a julgar pelo século passado, se torna difícil acreditar que estamos a progredir.
Esse é precisamente o meu argumento. Nunca fomos melhores. Como diz o nosso PJ:
acho sinceramente que vivemos, apesar de tudo, no melhor estágio da humanidade. Hoje há mais possibilidade de conhecimento e de viagem do que nunca, há mais democracia e igualdade.
Nem mais. Temos a sorte de viver numa época dourada da humanidade. O problema ontológico essencial é esse: nós (pelo menos nós aqui nesta terrinha tranquila) ultrapassámos a escravatura, a doença, a intolerância. E a nossa vida continua a ter um "vazio terrível e angustiante".
Ou seja: a condição humana é inelutável. A culpa desse "vazio terrível" não é da modernidade nem das televisões.
Unicamente precisamos de acreditar que um dia fomos melhores, já que, a julgar pelo século passado, se torna difícil acreditar que estamos a progredir.
Esse é precisamente o meu argumento. Nunca fomos melhores. Como diz o nosso PJ:
acho sinceramente que vivemos, apesar de tudo, no melhor estágio da humanidade. Hoje há mais possibilidade de conhecimento e de viagem do que nunca, há mais democracia e igualdade.
Nem mais. Temos a sorte de viver numa época dourada da humanidade. O problema ontológico essencial é esse: nós (pelo menos nós aqui nesta terrinha tranquila) ultrapassámos a escravatura, a doença, a intolerância. E a nossa vida continua a ter um "vazio terrível e angustiante".
Ou seja: a condição humana é inelutável. A culpa desse "vazio terrível" não é da modernidade nem das televisões.
Ou como dizia um gajo no século XVII: "...the life of man, solitary, poor, nasty, brutish, and short."
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