15.5.06

Coimbra, ontem como hoje?

"Em Coimbra não há propriamente vida literária, embora haja uns restos de vida académica, que as qualidades excepcionais da terra hão-de constantemente manter (...)"

"Hoje, em Coimbra, não há boémia literária, nem cenáculo, nem jornal, nem coisa nenhuma: há, pura e simplesmente, rapazes que escrevem e que publicam os seus escritos nos diversos jornais do país. Nestes últimos anos, uma revista literária que aqui apareça, não dura mais de três meses: - e já é um caso raro."

Editorial do Nr.1 da Bohemia Nova: Coimbra, 1 de Fevereiro de 1889



"Eu ponho-me às vezes a imaginar, em horas raras de fantasia e de sonho, uma nova Coimbra toda lavada e toda moderna, onde a gente passasse uns cinco anos a aprender e a divertir-se, de onde se saísse por fim bacharel – formado, com alguma ciência útil e exacta, positiva e pacata, e sem o ar pacóvio e gauche de quem, durante a formatura, nunca soube conversar um pouco intelectualmente nem nunca teve outras cogitações que não fossem as do tamanho da sebenta e as da influência do canelão sobre a educação académica dos caloiros.
Essa Coimbra nova desenha-se na minha imaginação com todas as galas de uma cidade de encomenda. Vejo-a com ruas arejadas e largas, e com casas higiénicas, cheias de luz, com um edifício universitário moderno, confortável, alegre, onde um professor simpático fosse de vez em quando palestrar com os seus discípulos e ensinar-lhes coisas úteis, numa prelecção simples e clara, concisa e exacta, sem atavios de estilo nem gastas flores de retórica. Na nossa educação não haveria nada de monástico nem de medieval, no nosso traje seríamos simplesmente rapazes do nosso tempo. A capa e a batina, a sebenta, os velhos livros feitos num latim insuportável ou num português hirto e clássico, desaparecem de todo o decurso da minha fantasia. Vejo trajes modernos, vestidos com um pouco de gosto, e livros claros, bem escritos e bem impressos, cujos textos não levassem séculos a decifrar, e repetidas doses de hermenêutica e de erudição.
Depois, essa Coimbra fantástica teria teatros, teria passeios, teria clubs: levar-se-ia daqui a educação do mundo e da sociedade, conjuntamente com a ciência e com a carta de bacharel.
E eu, com esta monotonia de vida actual, vejo que os rapazes se gastam pela batota, ou por sonolentas biscas caseiras, à luz de tristes candeeiros de azeite; vejo que estas floridas esperanças da pátria perdem sua noite e esquecem a sua higiene, por causa de citações de espavento e de textos eruditos e inúteis, que é preciso decorar, única e exclusivamente para dar boa lição...
É depois desta dialéctica toda que eu me lembro pela segunda vez que Coimbra nunca mudará; de que a Universidade há-de ser sempre a Universidade; e de que o nosso povozinho considerará sempre como uma glória ter na família um filho, um primo, um simples parente em segundo grau – que tenha conseguido ao cabo de 10 ou 20 anos de estudo aturado e maciço, obter a carta de bacharel em leis!..."

Alberto D'Oliveira, Nr.1 da Bohemia Nova
[in Bohemia Nova e Os Insubmissos - Reprodução Facsimilada; Campo das Letras]
Comments:
Ontem como hoje? Nalgumas coisas, sim, noutras parece-me que já se verificaram modificações importantes...
Mas estes textos demonstram que as inquietações de um jovem estudante da Coimbra de fins do sáculo XIX não eram assim tão diferentes das de um estudante de fins do século XX (como eu e os meus colegas fomos).
 
"É depois desta dialéctica toda que eu me lembro pela segunda vez que Coimbra nunca mudará; de que a Universidade há-de ser sempre a Universidade; e de que o nosso povozinho considerará sempre como uma glória ter na família um filho, um primo, um simples parente em segundo grau – que tenha conseguido ao cabo de 10 ou 20 anos de estudo aturado e maciço, obter a carta de bacharel em leis!..."

Na mouche. Só lhe faltou dizer: "E a Briosa continuará a ser treinada por anões bigodudos e a não jogar a ponta dum charuto". De resto, tá lá tudo, no senhor d'Oliveira.
 
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