17.10.05




PB, Bombain 2004

Efeméride estritamente pessoal: faz agora um ano e estava a partir para Nova Deli e para dois dos mais exaltantes meses da minha vida.

Agora tenho sido, como Ahmad, um
Viajante sem sair do sítio

- De onde és? – pergunta-me Ahmad, um taxista de Deli.
- De Portugal.
- Portugal… Ah, Lisboa!
Na caótica capital indiana este reconhecimento já é uma demonstração de cultura. Todos perguntam mas quase ninguém parece ter ouvido falar do país, apesar das ligações históricas que unem a Índia e Portugal.
Vestido com a jalaba e o kufi típicos dos muçulmanos, o barbudo Ahmad está bem disposto. Talvez o ânimo se deva ao facto de nos encontrarmos em pleno Ramadão e de a noite ter caído sobre Deli, permitindo que quebrasse o jejum a que os islamitas estão obrigados. Como todos os indianos, Ahmad é muito curioso. Quer saber para onde vou a seguir.
- Eu conheço Goa, Damão e Diu - diz. Nunca lá estive, mas vi no mapa.
Mais tarde, sorriu com encantamento quando falou de Lisboa. Tinha visto a cidade na televisão por altura do Campeonato Europeu de Futebol.
- Lembro-me da ponte e do rio. Muito bonito!
É daqueles homens que, não podendo fazê-lo doutra forma, viajam contemplando mapas e imagens. A conversa decorre por entre o trânsito intenso de Deli e, tal como canta Tom Waits em "Stange Weather" (And all over the world/ Stangers talk only about the weather/ All over the world it’s the same/ It’s the same), diverge para o clima e para as vantagens do "auto-riquexó" (um triciclo motorizado com lugar para três passageiros) em tempos de canícula.
- Aqui no Verão faz muito calor, entre 40 e 45 graus. É muito, mas estes "auto-riquexós" são bons porque entra muito vento. A poluição é menor, porque o pó sobe e não fica tão concentrado na superfície [enquanto falamos, há gente que passa com máscaras no rosto]. Mas faz mesmo calor! Uff!
E ri-se. Decido fazer-lhe uma pergunta ingénua:
- E vocês não param para descansar depois do almoço, quando faz mais calor? Os espanhóis, por exemplo, fazem isso…
- Não, eu não posso parar. Paguei 115 mil rupias por este táxi e pedi empréstimo. Todos os meses tenho que pagar a prestação. Se não pagar, aumenta o juro. Se não pagar durante muito tempo, ele vem tirar-me o táxi. Por isso, tenho que trabalhar sempre.
Por isso, Ahmad vai conhecendo o mundo "sem nunca lá ter estado". E cada estrangeiro que transporta no seu táxi é mais uma pequena fuga às ruas congestionadas e poeirentas de Deli.
(Crónica publicada em 2005)


PB, Varanasi 2004

"Errar sozinho de um ao outro canto da terra
Fugindo ao nosso mundo e ao seu famoso progresso"
Mário Cesariny
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