20.8.07
"Vistos, porém, na sua qualidade mundana, a acção, o discurso e o pensamento têm muito mais em comum entre si que qualquer um deles tem com o trabalho ou o labor. Em si, não ‘produzem’ nem gerem coisa alguma: são tão fúteis como a própria vida. Para que se tornem coisas mundanas, isto é, feitos, factos, eventos e organizações de pensamentos ou ideias, devem primeiro ser vistos, ouvidos e lembrados, e em seguida transformados, ‘coisificados’, por assim dizer – em ditos poéticos, na página escrita ou no livro impresso, em pintura ou escultura, em algum tipo de registo, documento ou monumento. Todo o mundo factual dos negócios humanos depende, para a sua realidade e existência contínua, em primeiro lugar da presença de outros que tenham visto e ouvido e que lembrarão; e em segundo lugar, na transformação do intangível na tangibilidade das coisas. Sem a lembrança e sem a reificação de que a lembrança necessita para a sua própria realização – e que realmente a tornam, como afirmavam os gregos, a mãe de todas as artes – as actividades vivas da acção, do discurso e do pensamento perderiam a sua realidade ao fim de cada processo e desapareceriam como se nunca houvessem existido. A materialização que eles devem sofrer para que permaneçam no mundo é paga com a substituição pela ‘letra morta’ de algo que nasceu do ‘espírito vivo’, e que realmente, durante um momento fugaz, existiu como espírito vivo. Têm de pagar esse preço porque, em si, são de natureza inteiramente extramundana, e portanto requerem o auxílio de uma actividade de natureza completamente diferente; dependem, para a sua realização e materialização, do mesmo artesanato que constrói as outras coisas do artifício humano.
A realidade e a confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no facto de estarmos rodeados de coisas mais permanentes que a actividade pela qual foram produzidas e potencialmente mais permanentes que a vida dos seus autores."
Hannah Arendt; A Condição Humana, pág. 120 (edição Relógio de Água)
A realidade e a confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no facto de estarmos rodeados de coisas mais permanentes que a actividade pela qual foram produzidas e potencialmente mais permanentes que a vida dos seus autores."
Hannah Arendt; A Condição Humana, pág. 120 (edição Relógio de Água)