24.5.07

A polémica entre Rui Tavares e Helena Matos na última página do Público (podem ver alguns desles na caixa de comentários deste post) tem estado muito interessante. Discute-se o "Estado social" e acho que ambos têm razão, embora Rui Tavares tenha mais razão do que Helena Matos. É verdade, como diz HM, que o Estado social em Portugal não funciona bem. Há graves deficiências, laxismo, desperdício. Há fartar vilanagem. Mas também é verdade, como diz RT, que "quem defende que o Estado social não funciona em Portugal fica com uma pergunta no colo: mais alguma coisa funcionou?" E acrescento eu, quem pode pagar o que funciona fora do Estado social? As boas escolas, os lares, os hospitais privados...
Se o objectivo de criar um "Estado social" se esfumar completamente, como parecem pertender os neoliberais, então teremos a rua a querer tomar conta do poder e da propriedade privada. Isso já aconteceu no passado (veja-se o 25 de Abril, essa explosão da rua) e poderia voltar a acontecer, não fosse a almofada protectora da União Europeia.
Comments:
O povo morreu. Viva o contribuinte!

24.05.2007, Helena Matos

Tenho diante de mim uma fotocópia feita na Biblioteca Nacional. Como se trata duma reprodução a cores, demorou duas semanas a ser entregue e para a solicitar foi necessário preencher um formulário de duas páginas. Quando a fotocópia finalmente chega, vem acompanhada duma factura assinada por dois funcionários e devidamente estampilhada com o selo branco. Valor da factura: 1 euro e 53 cêntimos. Ou seja, uma quantia que não deve sequer pagar o envelope onde se guarda a dita fotocópia, nem os duplicados da requisição ou até o tempo que demorou a redigir a factura.
É como se a máquina estatal funcionasse por si e para si. Assim se explica que tenhamos escolas públicas onde se ensina muito bem mas que não têm vigilância nos recreios, hospitais de referência sem cadeiras na sala de espera ou vice-versa. Se assim não fosse, por exemplo, os resultados das provas de aferição recentemente realizadas seriam tornados públicos.
Muitos dos serviços públicos vivem na ficção da gratuitidade e da igualdade. Logo faz-se de conta que todos os serviços são igualmente bons e por isso não se divulgam os resultados das avaliações. E faz-se também de conta que são gratuitos e por isso não se deve dizer quanto custam. Os pais não só deviam ser informados sobre os resultados das provas de aferição como também deviam saber qual o custo da frequência escolar oficialmente "gratuita" dos seus filhos ou sobre o valor do parto "gratuito"...
Mas a questão dos serviços públicos e dos impostos que os sustentam não se esgota no seu modo opaco de funcionamento. As populações que Rui Tavares retrata em protesto pelo "encerramento de maternidades, de urgências, de esquadras" confrontam-se com muito mais do que um simples fecho de serviços. O Estado social que para estas pessoas começou por ser uma garantia de segurança nos momentos difíceis da vida pode estar a revelar-se uma armadilha. Estas pessoas que agora protestam fazem parte daquilo que podemos definir como a primeira geração dos contribuintes. Os seus avós e pais guardaram minúsculas poupanças em pés-de-meia e acreditavam que os serviços públicos eram benesses que os governantes davam. Eles começaram por perceber que ninguém lhes dava nada. Antes pelo contrário, eles é que davam cada vez mais impostos. Mas pagaram-nos na convicção que, quando chegasse a sua vez de precisar do Estado, este não lhes faltaria com a reforma, o hospital ou a esquadra. E é esta certeza que vêem agora fugir. E é também esta certeza que ninguém lhes pode dar. A única certeza é que têm de continuar a pagar taxas, contribuições e impostos.

OEstado que em Portugal se sonha social desde Marcelo Caetano esgota-se e preenche-se numa gigantesca actividade licenciadora que na sua voracidade de verbas não hesita em recuperar comportamentos autoritários. Veja-se, por exemplo, a divulgação da lista dos devedores fiscais ou a alteração das regras para quem contesta as decisões do fisco, tornando os tribunais fiscais cada vez mais inacessíveis e inquestionáveis.
Os cidadãos, que em Portugal são os filhos e os netos do bom povo, tornaram-se nos pais e nos avós dos contribuintes. Ao povo os governos diziam que davam reformas e pensões. Aos cidadãos os governos prometeram justiça e direitos. Aos contribuintes exige-
-se que paguem. Jornalista
 
Mais um dia de trabalho para mim

23.05.2007, Rui Tavares

Na minha última crónica especulei sobre a razão pela qual a agenda da descida de impostos granjeia tão pouco entusiasmo entre nós. A conclusão a que cheguei é que esta é uma causa minoritária. Como deixei claro, isto não quer dizer que uma descida de impostos seja de recusar ou que os aumentos de impostos sejam, por princípio, desejáveis. Quer apenas dizer que a prioridade da maior parte dos portugueses está na qualidade e abrangência dos serviços públicos, da qual faz depender pragmaticamente a política de impostos. Uma coisa, para nós, vem antes da outra. Em consequência, um partido que dê garantias reais de melhorar os serviços públicos levará sempre vantagem sobre outro que dê garantias reais de baixar os impostos (estes partidos a que me refiro são puramente imaginários; nem um nem outro parecem encontrar-se na política portuguesa).
Tanto quanto vejo, Helena Matos não me responde com nenhum argumento decisivo em contrário. Ao apontar-me as deficiências da rede pré-escolar pública, manda a lógica que se melhore esse serviço. Mesmo ao dizer-me que "todos sairíamos a ganhar se o Estado entregasse a verba que gasta com cada aluno à escola pública ou privada escolhida por cada família", Helena Matos não defende que o Estado arrecade menos, apenas que distribua de outra forma. O argumento de que a máquina do Estado abafa a capacidade de iniciativa funcionaria comigo se riscássemos a Europa do Norte do mapa: países com mais funcionários públicos do que Portugal, impostos mais altos e economias mais competitivas. Enquanto continuarem a existir, há (pelo menos) uma maneira de o conseguir. O resto é só ideologia, não realidade.

Mesmo na sua estocada final, quando Helena Matos alega que "o jovem casal não deve dar mais dinheiro à nação mas sim interrogar-se sobre o que a nação anda a fazer com o seu dinheiro", eu concordaria em alargar ainda mais o raciocínio. Por si só, o jovem casal não deve dar mais nem menos dinheiro à nação. A prioridade é gastar esse dinheiro de forma mais transparente, mais eficiente e mais abrangente - numa palavra: mais democrática.
Ora isso só é possível se reconhecermos que não andamos a trabalhar "para os impostos" ou "para a nação". Eu posso ter trabalhado para pagar impostos até à semana passada, mas não estive a trabalhar para a nação: estive sempre a trabalhar para mim. E nem sequer estive a pagar adiantado. Pelas minhas contas, passei por mais de vinte anos de ensino público e diversas operações em hospitais públicos. Poderia ter sido melhor? Sem dúvida. Mas sem o serviço público eu não estaria aqui. Eu e muitos outros: se Portugal é um dos países que mais progrediram no combate à mortalidade infantil ou no acesso das mulheres à universidade, ao serviço público o deve.
Como diria um bom neoliberal, a maioria dos portugueses reconhece essa realidade através das suas escolhas no mercado eleitoral. Noutros países, uma agenda de descida de impostos até pode ganhar eleições. Aqui, não ganha nem uma dor de garganta num comício. Faça-se a prova. Que medidas têm levantado o país contra o Governo? Encerramento de maternidades, de urgências, de esquadras. A prova está feita. Para a maioria dos portugueses, o problema não está em que o Estado social exista. Está em pô-lo a funcionar.
Quem defende que o Estado social não funciona em Portugal fica portanto com uma pergunta no colo: para a maioria dos portugueses, mais alguma coisa funcionou?
 
Mais um dia de trabalho para a nação?

22.05.2007, Helena Matos

Sugere Rui Tavares: "Perguntemos a um jovem casal: preferem trabalhar menos dois dias "para os impostos" ou trabalhar mais dois dias em troca da expansão da rede pré-escolar pública a todo o país?". Perguntar podemos, mas valerá e pena? Comecemos pelo próprio raciocínio que está subjacente à pergunta: pagamos mais impostos e recebemos directamente mais e melhores serviços públicos?
Em tempos, acreditou-se de tal modo nessa reciprocidade que até tivemos direito a um domingo de Outubro de 1974 transformado em Dia de Trabalho para a Nação. Durante meses, alimentaram-se polémicas em torno dos 13 mil contos obtidos com essa dádiva dos portugueses. De alguma forma a incerteza acerca do destino dessa verba é simbólica da grande pergunta que temos para nos fazer: para onde vai o dinheiro dos nossos impostos? Mais do que para criar serviços e riqueza, os impostos dos portugueses têm servido para aumentar a máquina estatal. Esta cresceu de tal modo que não se limita a absorver boa parte da riqueza nacional como, em muitos casos, abafa a capacidade de iniciativa da sociedade e contribui para a degradação da qualidade da democracia. Veja-se por exemplo o que sucede nas localidades onde as autarquias e os demais serviços do Estado são não só os grandes empregadores como as entidades pelas quais passam todos os negócios: o poder dificilmente muda de mãos e as cumplicidades multiplicam-se.

Enquanto os portugueses continuarem a ser encarados como um bolso sem fundo, jamais a máquina estatal se sentirá obrigada a rever o seu modo de funcionamento. Repeguemos novamente no exemplo de Rui Tavares: a rede pré-escolar pública. Dotada sem dúvida de bons profissionais e frequentemente de excelentes instalações, cabe perguntar para que serve uma rede escolar que não tem horários compatíveis com os do mundo do trabalho dos pais e famílias? Para que serve uma rede escolar onde somos obrigados a inscrever os nossos filhos na escola A ou B, consoante a nossa área de residência ou outros quaisquer critérios administrativos? O que falta à rede escolar não são mais dois dias de trabalho dos casais sejam eles jovens ou idosos mas sim concorrência. Todos sairíamos a ganhar se o Estado entregasse a verba que gasta com cada aluno à escola pública ou privada escolhida por cada família para colocar as suas crianças.
Por outro lado, não é leal colocar a questão no jovem casal como faz Rui Tavares. Boa parte do dinheiro dos nossos impostos tem servido para garantir os chamados "direitos adquiridos". Mas adquiridos por quem? Pelas gerações mais velhas. A demografia e a globalização avisam-nos que esses direitos não podem ser mantidos para as gerações futuras. O jovem casal está refém do discurso ideológico que se produziu em torno do Estado social. Concebido como uma forma de solidariedade, o Estado social hoje em dia está também a servir para garantir a algumas gerações um padrão de vida e direitos sociais que os seus filhos e netos não poderão vir a ter. O jovem casal não deve dar mais dinheiro à nação mas sim interrogar-se sobre o que a nação anda a fazer com o seu dinheiro. Jornalista
 
http://jornal.publico.clix.pt/pub.asp?id={656D40C5-2F2E-418F-A3BA-4F2E248D2930}
 
Oh meu querido PB, essa d' "o 25 de Abril, essa explosão de rua" tem muito que se lhe diga.

A "rua", coitada, esteve quietinha em 40 anos de salazarismo. Foi preciso um punhado de magalas - nenhum tinha patente acima de major - meter-se nos tanques para a "rua" se mexer.

Se estás a contar com "rua" para haver uma revolução, terás de esperar sentado.
 
E digo mais: o problema da tua polémica
 
(foda-se que esta merda do Blogger desde que foi comprado pelo Google é mesmo uma merda)

E digo mais: o problema da tua polémica é que cai no maniqueísmo do costume entre o "Estado social ai que bom" dos pacholas esquerdalhos e o "foró Estado" dos patetas "neoliberais".

Não tem de haver uma escolha a preto e branco. O "Estado social" devia servir como rede de segurança para as pessoas sem meios para tomar conta de si. Bons hospitais, escolas, etc. devem ser "sociais" (ie, gratuitos) para quem não tem a sorte de os poder pagar.

O problema é que o nosso "Estado social" tal como existe agora entende que deve ser tudo à borla para toda a gente - e depois dá um Estado deficitário que oferece uns serviços de merda. A classe média que pague a crise!
 
Há tanto tempo que não tinha aqui uma polémica com o bom do PB! Já tinha saudades. Oh Carcaça, nós temos muito mais piada que a Matos e o Tavares.

Um dia destes, abro um blog chamado "Economia de Palavras Comentado" só com respostas às tuas postas. Falhando isso, hei-de hoje ver se abro uma polémica no Núcleo, que aquilo anda a precisar de aquecer.
 
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