20.4.07
La France
"A campanha para a presidência tornou a trazer a velha discussão sobre 'a identidade da França', que tanto preocupa a 'inteligência' de lá e de cá. Ainda por cima, parece que desde a inconcebível sra. Ségolène até Sarkozy os próprios candidatos têm insistido num inesperado nacionalismo de Marselhesa e bandeira, que se destina, segundo consta, a espevitar um eleitorado cínico e apático. Mas nada disto ajuda. A França já não é o que era e já não pode voltar ser o que era, porque, para além da retórica, a França moderna se fundou sobre um mito que faliu, a revolução, uma realidade que vai inevitavelmente falir, a omnipotência do Estado, e na fantasia de uma 'grandeza' e de uma 'glória', que se extinguiu no princípio do século XIX e não passa hoje de um patético equívoco.
A França e os franceses gostavam de se ver como a encarnação histórica de valores que supunham universais: os valores de 1789, que, de resto, continuam a comemorar no 14 de Julho, o dia da tomada da Bastilha. Desgraçadamente esses valores desapareceram depressa e o que ficou e se propagou foi o exemplo da revolução. Por outras palavras, da violência. A liberdade, a igualdade e a fraternidade não prosperaram em França como prosperaram em Inglaterra, na América ou na Escandinávia. O grande legado da Bastilha ao mundo acabou por ser o culto do terror, como panaceia para qualquer espécie de injustiça, e a justificação desse terror como 'filosofia do progresso'. Não por acaso, o leninismo, o estalinismo e a aberração marxista encontraram em França os seus mais devotos defensores. Afinal, não estavam eles convencidos que 1917 consumava 1789?
O colapso da fé revolucionária entre 1970 e 1990 deixou a França sem destino. Aquilo que durante tanto tempo representara já não convencia ninguém. Pelo contrário, horrorizava agora quase toda a gente. A política interna, a guerra franco-francesa entre a esquerda e a direita, perdeu pouco a pouco a relevância e a razão. Os partidos caíram no 'pântano' centrista. E veio ao de cima a autêntica França: xenófoba e conservadora, e naturalmente azedada pela sua actual insignificância. No meio, sobrou um Estado providência insustentável, a semana de 35 horas, leis de trabalho que asseguram o desemprego, uma dívida externa esmagadora, um défice perene, um crescimento do PIB pior do que o de Portugal e um declínio constante do poder de compra. Os candidatos prometem, como sempre, mudança, mas neste caso mudar implica a rejeição de dois séculos de História. Não admira que se comece a falar na VI República. Mudar de República, isso, os franceses sabem fazer."
20.04.2007, Vasco Pulido Valente; Jornal Público
A França e os franceses gostavam de se ver como a encarnação histórica de valores que supunham universais: os valores de 1789, que, de resto, continuam a comemorar no 14 de Julho, o dia da tomada da Bastilha. Desgraçadamente esses valores desapareceram depressa e o que ficou e se propagou foi o exemplo da revolução. Por outras palavras, da violência. A liberdade, a igualdade e a fraternidade não prosperaram em França como prosperaram em Inglaterra, na América ou na Escandinávia. O grande legado da Bastilha ao mundo acabou por ser o culto do terror, como panaceia para qualquer espécie de injustiça, e a justificação desse terror como 'filosofia do progresso'. Não por acaso, o leninismo, o estalinismo e a aberração marxista encontraram em França os seus mais devotos defensores. Afinal, não estavam eles convencidos que 1917 consumava 1789?
O colapso da fé revolucionária entre 1970 e 1990 deixou a França sem destino. Aquilo que durante tanto tempo representara já não convencia ninguém. Pelo contrário, horrorizava agora quase toda a gente. A política interna, a guerra franco-francesa entre a esquerda e a direita, perdeu pouco a pouco a relevância e a razão. Os partidos caíram no 'pântano' centrista. E veio ao de cima a autêntica França: xenófoba e conservadora, e naturalmente azedada pela sua actual insignificância. No meio, sobrou um Estado providência insustentável, a semana de 35 horas, leis de trabalho que asseguram o desemprego, uma dívida externa esmagadora, um défice perene, um crescimento do PIB pior do que o de Portugal e um declínio constante do poder de compra. Os candidatos prometem, como sempre, mudança, mas neste caso mudar implica a rejeição de dois séculos de História. Não admira que se comece a falar na VI República. Mudar de República, isso, os franceses sabem fazer."
20.04.2007, Vasco Pulido Valente; Jornal Público