12.3.07

Bob Dylan


"Na realidade, se Dylan se tornou um fenómeno 'global' foi menos por aquilo que nos dizia do que pela forma como o dizia. O filme de Scorsese mostra bem como a sua música era frágil, o seu domínio instrumental reduzido, a sua voz periclitante; e também como ele, talvez nem sempre conscientemente, foi encarnando diversas personagens nesses anos iniciais e decisivos da sua carreira. A do rapaz rebelde, de boné de bombazine e andar desengonçado, de respostas lacónicas e porte descuidado, é seguramente a que mais directamente falava à minha (e à sua) geração. Dylan era, antes de mais, uma atitude, e essa atitude dava expressão a um desejo informe de romper com a codificação dos comportamentos nas sociedades 'normalizadas' do pós-guerra. Mas a atitude de Dylan manifestava-se ainda por sons musicais. Que música era essa? Na sua penetrante análise do mito, James Miller (Flowers in the dustbin, 1999) adianta esta explicação, que me parece justíssima: O que importa é a voz de Dylan: a poesia da canção depende dela. Por exemplo, a forma como ele martela uma frase como 'How does it FEEEEEEEEL?', transforma a pergunta num insulto. A canção não pode ser separada do cantor. E, mais adiante: É como se as canções de Dylan [em vez de serem cantadas] o cantassem a ele.

Havia na voz de Dylan um sentido de urgência, uma recôndita pulsão primordial, que a tornava um uivo, antes de ser canto ou música ou poesia. E, claro, a simplicidade dos acompanhamentos e a eficácia contagiante dos motivos poéticos fizeram das suas canções elementos culturais reproduzíveis em qualquer parte do planeta. Era uma voz solitária cantada por milhões.

António Mega Ferreira (crónica publicada na revista Visão, de 7/9/06)






Manchester, 1966
Não sei por que soavas tão único no poema
gloriosamente exaltado
Fazendo-me acreditar nos anjos de pureza
de Lautréamont

(1999)
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