12.12.06

Mário Cesariny (1923 - 2006)

"Dos lugares que os homens criaram para se abrigar, o café é o que mais rua tem. Por isso, Mário Cesariny gostava tanto de cafés. Aí sentia-se onde a poesia estava, onde "sempre esteve". Aí, lembrando Lautréamont, podia fazê-la em comum. Foi em cafés que escreveu os poemas. Foi em cafés que conversou com os amigos e até com os inimigos. Foi em cafés que fitou os corpos com um olhar que os tornava mais visíveis. Era nos cafés, e no que eles tinham de rua, que se sentia verdadeiramente em casa. Cafés cheios de fumo e de fuga e de fúria. Cafés onde se estava porque não havia sítio melhor para estar. Cafés que resumiam o seu entendimento da vida: café-manicómio, café-convés, café-asilo, café-escritório, café-quase-salto e, pois claro!, café-de-engate. Viciado em cafés, nunca o vi aí tomar um café. Pedia uma água mineral e, muitas vezes, usava-a para lavar as mãos, porque desconfiava que, depois de bebida, a garrafa era enchida pelo dono da casa. Ria e, enquanto vertia nos dedos a ablução ritual, olhava à volta para a "malandragem" que habitava as mesas e exclamava: "A água é a única coisa que não é de confiança neste café." Nos tempos gloriosos do grupo surrealista, era nos cafés (Herminius, Royal Gelo) que se incendiavam a eles próprios e era a partir dos cafés que queriam incendiar o mundo. Depois, toda a sua vida foi vivida, nocturnamente, em cafés, até que os cafés acabaram e ele começou a acabar como eles."
José Manuel dos Santos (excerto de um texto integrante do suplemento Y do jornal Público, totalmente dedicado ao poeta)



"Escrevo desde 1942. A febre durou 12 anos (...). No fundo escreve-se sempre o mesmo verso. Escrever poesia é uma espécie de invocação. Mas não se pode estar toda a vida a invocar o mesmo santo, sobretudo se ele não aparece. Assim sendo, não rezo mais."
Mário Cesariny, em entrevista a Fernando Vale (Jornal de Letras nº38, de 1982)
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