11.10.06

Kapuscinski a Nobel!

O próximo Prémio Nobel da literatura é anunciado nos próximos dias. Um dos candidatos crónicos é Ryszard Kapuscinsk, o melhor repórter que já li. Por muito relativo que um prémio (mesmo este) possa ser, sempre serviria para divulgar a obra deste mestre polaco, da qual aqui deixo um delicioso excerto (entre milhares que poderia escolher):

"Lentamente, de má vontade, os sentinelas cedem. Discutem o assunto, afastam-se para um lado, conferenciam uns com os outros e, por vezes, eclode uma desavença entre eles. Podem decidir mandar uma mensagem ao comandante, que foi de carro à cidade, ou partiu a caminho de alguma vida. Então, temos de esperar. Esperar, esperar é o que passamos a vida a fazer aqui. Mas isto tem o seu lado positivo, porque estas esperas conduzem a mútua familiaridade e maior intimidade. Já nos tornámos parte integrante da sociedade dos postos de controlo. Quando há tempo e interesse, podemos falar-lhes da Polónia. Temos mar e montanhas. Temos florestas, mas as árvores são diferentes: não há um só embondeiro na Polónia. Lá também não se cultiva café. É um país mais pequeno do que Angola, mas temos uma população maior. Falamos polaco. Os ovimbundis falam a sua língua, os txoqués falam a deles e nós falamos a nossa. Não comemos mandioca; as pessoas na Polónia não sabem o que é a mandioca. Toda a gente tem sapatos. Só se pode andar descalço no Verão. No Inverno, uma pessoa descalça podia ficar com os pés queimados pela neve e morrer. Morrer por andar descalço? Ah, Ah! É longe, a Polónia? É, mas de avião é perto. E por mar demora um mês. Um mês? Então não é longe. Temos armas? Temos armas, artilharia e tanques. Temos gado, tal como aqui. Vacas e cabras, não tantas cabras como aqui. E nunca viram um cavalo? Bem, um destes dias hão-de ver um cavalo. Temos imensos cavalos.
O tempo passa em amena cavaqueira, exactamente aquilo que querem as sentinelas. Porque, agora, as pessoas raramente se atrevem a viajar. As estradas estão desertas e podem-se andar dias e dias sem ver uma cara nova. E, no entanto, não nos podemos queixar de tédio. A vida hoje centra-se à volta dos postos de controlo, tal como na Idade Média se centrava à volta da igreja. As vendedeiras do mercado local põem as suas mercadorias sobre panos: bananas grandes, ovos de galinha pequenos como nozes, piri-piri vermelho, milho seco, feijão preto e romãs ácidas. Os donos de tendas de vestuário vendem as roupas mais baratas, lenços garridos, e também pentes de madeira, estrelas de plástico, espelhos de bolso com a fotografia de artistas conhecidas na parte de trás, elefantes de borracha e pífaros com teclas que funcionam. As crianças que não estejam de serviço brincam nos campos vizinhos, vestidas com camisas tecidas em casa. Podem-se encontrar mulheres da vila com cântaros de barro à cabeça, à procura de água, vindas não se sabe de onde e não se sabe para onde.
O posto de controlo, quando constituído por pessoas amigáveis, é um lugar de paragem acolhedor. Aqui, podemos beber água e, por vezes, comprar dois litros de gasolina. Podemos obter carne assada. Se se faz tarde, deixam-nos ficar a dormir. Ocasionalmente, têm informação sobre quem controla a parte seguinte da estrada."

Ryszard Kapuscinski, Mais um dia de vida – Angola 1975; Tradução de Ana Saldanha, pág.40

Comments:
ainda não foi desta:
http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/6044192.stm
 
e mais:
http://www.polskieradio.pl/polonia/article.asp?tId=42921&j=2
 
Já era. Foi para o turco!
 
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