13.6.06

continuamente a semear desejos em nós

"Mas eu quero ver o primeiro homem que não deseja coisa nenhuma! Nunca fazemos o treino para isso e, pelo contrário, todo o mundo está organizado - por exemplo através da televisão e da publicidade - para desejar alguma coisa mesmo quando não se deseja. O homem, ao levantar-se de manhã pode não desejar nada, mas logo a primeira notícia que tem pela rádio é que se inventou um novo automóvel movido a água e no qual não precisa de accionar qualquer alavanca – ele diz pelo telefone ao automóvel para onde quer ir e pronto; então o desgraçado, no caso de não ter dinheiro, corre logo à procura de amigos que lho emprestem para comprar o novo automóvel. Quer dizer, o mundo, na fase actual, está, continuamente a semear desejos em nós, sendo esse um dos pontos mais importantes do mundo – como é que podemos chegar a uma economia que não semeie em nós o desejo, mas sim a quietação em vez da inquietação, prestando nós, no entanto, toda a homenagem e todo o agradecimento aos tempos históricos passados e em que foi pelo desejo das pessoas que se conseguiu, na realidade, um parque industrial, um parque técnico como aquele que temos hoje à disposição e que – eu continuo a acreditar – bem utilizado pode contribuir para a libertação do homem."
Agostinho da Silva, Vida Conversável, págs. 63, 64

"Portugal, na sua primeira época, naquela em que em geral podemos chamar a primeira dinastia e que eu limito até... Eu vou até ao Dom Dinis, não até Dom Afonso IV. Vamos então ver quais eram as características fundamentais desse Portugal. Parece-me a mim que economicamente se encaminhava para ser um país comunitário, não comunista, para não confundirmos com terminologias ou ideologias mais modernas, mas um Portugal comunitário, exactamente como do lado de lá, naquilo que em Espanha, no tempo do imperador Carlos V, se chamava o grupo ou ideia dos comuneros. Comuneros do lado da Espanha, comunitaristas do lado de Portugal - que era? Um grupo de gente que achava que o fundamental do país era a associação económica de homens votados a uma tarefa comum para produzir alguma coisa que bastasse para a nação e para exportação, sem concorrência entre eles, sem o fito do lucro acima de tudo, mas uma associação, uma cooperação de gente, de modo a produzir o necessário sem quebrar a regra da fraternidade. É o comunitarismo a que se tem chamado agro-pastoril, e que houve também entre os pescadores - até muito perto de nós o grupo de pescadores de um barco chamava-se companha, e quando havia uma captura dividiam entre si o produto da pesca com uma parte, naturalmente, para o fundo de previdência."
Agostinho da Silva, Vida Conversável, pág.80
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