31.3.06

Gandhi



Visitei o "ashram" (comunidade religiosa) de Sabarmati (Ahmedabad), onde Gandhi viveu durante mais do que 20 anos. Lá estao preservados os seus aposentos frugais, o tear onde tecia metodicamente todos os dias. O "pai da nação" indiana é venerado como um santo. Para se aceder à sua casa têm que se tirar os sapatos à entrada, como nos templos. Gandhi foi das figuras mais fabulosas do se
séc. XX. Sozinho, como a sua fé na "ahmisa" (não violência) e com a força da razão, conseguiu vencer o império britânico. Após estudos em Londres, começou por ser um advogado próspero e integrado na África do Sul. A transformação iniciou-se quando tomou por sua a causa dos imigrantes indianos na Africa do Sul, que eram disciriminados e tratados como raça inferior. De regresso à Índia, constatou a crueldade do colonialismo inglês e assumiu por completo a sua identidade indiana. Deixou de usar roupa ocidental e passou a cobrir-se com um simples lençol de linho. Sacrificou as suas inclinações pessoais (desejos,paixões, apegos) em prol do servico à comunidade. "O ideal do ashram é viver para servir", escreveu. Este princípio de renúncia pessoal em prol dos outros foi também uma busca da libertação dos sentidos e da purificação espiritual. Uma busca de santidade.
Há em Gandhi uma clara identificação com Jesus Cristo. Não admira que tenha chorado quando visitou a Capela Sistina e viu a crucificação pintada por Miguel Ângelo. Do despojamento monástico dos seus aposentos sobressaía uma imagem de Jesus pendurada na parede e acompanhada pela inscrição "ele é a nossa paz".
"Gandhi presented a perplexing problem to Christiansin India: he was the world's most Christ-like perconyet not a christian", observou Louis Fischer,jornalista americano e autor de uma excelente biografia de Gandhi. À medida qu foi envelhecendo, o Mahatma (palavra que pode ser traduzível por "grande alma") impôs a si próprio sacrificios cada vez mais penosos. Como se tivesse que se crucificar pelos pecados da humanidade. Jejuou muitas vezes, algumas delas por achar que essa é uma forma de purificação espiritual, outras como protesto contra situações que repreovava: a situação dos intocáveis na Índia, a violência entre hindus e muçulmanos, a violência dirigida aos britânicos, etc. Esses jejuns tornaram-se cada vez mais rigorosos. Esteve à beira da morte varias vezes.

"In previous fasts he had taken water regularly, on the hour. Now he was listless and drank itirregularly. In previous fasts, massage moderated is aches. This time he refused massage. Sharp paisns racked his waisting body. He had to be moved to the bath on a strechter. The least movement, sometimes even speaking, gave him nausea."

Nao é de admirar que, com esta exigência para consigo, Gandhi fosse muito exigente para com os mais próximos. Segundo a biografia, foi um pai castrador. Quis que os seus filhos fossem, tal como ele, santos. Cultivou um desprendimento em relacao à família, fazendo questão de tratar os filhos da mesma forma do que aos outros que o rodeavam. O filho mais velho tornou-se alcoólico (pecado maior para Gandhi) e, com rancor ao pai, converteu-se ao islamismo.
Casou com Kasturba quando ambos tinham 13 anos e fez um voto de castidade aos 37. Manteve com a mulher uma relacao de "profunda amizade", segundo ele "incorrupta pelos parazeres da carne e pelas paixões". Acreditava que, ao reter o "líquido vital", poderia utilizar essa energia em prol do servico:

"First, truth: second non-violence and Love: and third, chastity. If a man gives is Love to one woman,or a woman to a man, what it is there left for all the world besides? It simply means 'we two first, and the devil take the rest of them'. Such persons cannot rise to the height of Universal Love."

Quer isto dizer que os casais estao perdidos para sempre, perguntou-lhe Louis Fischer:

"No. If the married couple can think of each other asa brother and sister, they are freed for universal service. Sex urge is a fine and noble thing. There is nothing to be ashamed of in it. But it's meant only for the act of creation. Any other use of it is a sin against God and humanity."

(continua)
Comments:
"A deificação é uma doença indiana", escreveu Salman Rushdie num artigo sobre o filme Gandhi, de Richard Attenborough (publicado na colectânea Pátrias Imaginárias, D. Quixote, 1994, sendo o artigo de 1983). Neste artigo Rushdie condena alguns mitos ou omissões em relação à biografia de Gandhi. Para ele, a equiparação de Gandhi a Cristo foi uma forma de o tornar "atraente ao mercado ocidental". Refere ainda que as biografias (hagiográficas) omitem "as experiências brahmacharya", durante as quais Gandhi se deitaria toda a noite com jovens mulheres nuas para testar a su capadidade de abstinência". Tal como omitem "o gosto de Gandhi por industriais bilionários indianos" tendo sido "financiado por patronos super-capitalistas" com quem estaria "irremediavelmente comprometido".

Mesmo sendo uma visão pessoal de Rushdie, creio que poderá ter algum interesse para ti.
 
Obrigado Agostinho. Claro que me interessa, gosto sempre de ler diferentes pontos de vista. Vou tentar arranjar. Mas esta biografia do Louis Fischer de que falo no texto está longe de ser uma hagiografia. É um autêntico clássico, de leitura muito recomendável (creio q n há tradução para português, o que é pena). Ao contrário de muitas outras biografias do Gandhi feitas posteriormente, esta tem a vantagem de ter ser escrita por uma pessoa que conheceu Gandhi ainda antes da independência e privou com ele ao longo de todo o conturbado processo, vivendo ou deslocando-se à Índia diversas vezes.
Um abraço!
 
Já é habitual o esgravatar dos biógrafos nas «misérias» dos defuntos ilustres! Deitava-se «toda a noite com jovens mulheres nuas para testar a su capadidade de abstinência»... de abstinência? É pá, espero que fosse mesmo para as foder! Isso torná-lo-ia menos importante aos olhos da História e da Índia?? Penso que não.

Toda a ideia de «não-violência» foi Ghandi buscá-la à leitura do Novo Testamento... Isso é histórico. Mas não me parece que alguma vez se quisesse fazer dele uma asceta casto? Por que razão idiota no Ocidente os Santos têm que ser castos???
 
Caro Paulo,
Conheço a biografia de Louis Fischer, tive aliás a sorte de a comprar numa qualquer feira do livro usado ou alfarrabista (já não me lembro) por meros 300$. Não é, obviamente uma biografia. Só referi o texto de Rushdie porque era uma visão distinta (um tanto ou quanto envenenada, e não ocidentalizada, note-se). Como em outros textos de Rushdie, sente-se ali uma crítica pessoal e parcial (basta ver o que o homem escreveu também sobre o Naipaul).
Um abraço
 
Como não é uma biografia? Terás tu lido uma tradução barata? O que eu li era uma biografia e das boas (não uma hagiografia, embora Fischer soubesse que estava a escrever sobre um homem excepcionsl), onde o jornalista americano conta as várias fases da vida de Gandhi de forma crítica.
 
Mea culpa, Paulo... É o que dá não rever o que se escreve. O que eu queria dizer é que o trabalho de Fischer não é uma "hagiografia". Obviamente que é uma boa biografia. Fica feita a errata...
 
Very nice site! »
 
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