26.9.06

Born into Brothels



Faço minhas as palavras da Sofia, para recomendar o magnífico Born into Brothels:

"À sua volta: exploração, prostituição, miséria, decadência física e moral. A sua infância: perdida, porque se tornaram adultos sem o querer. Sabem de mais. Viram e ouviram de mais. Viveram de mais. O destino parece fatal: filho da miséria à miséria torna. Alguém aparece. Uma mulher que não acredita em fatalismos. Chama-se Zana, fala-lhes em inglês, língua que desconhecem e que alguém traduz para hindi. É fotógrafa e traz-lhes máquinas para lhes ensinar a olhar através da câmara. A olhar o mundo em que vivem. A registá-lo. Nem todos vão conseguir escapar à linha traçada pela casta, pelo grupo social, pela pertença àquilo que os outros vêem como ralé. Mas alguns vão. Talvez não para sempre. Talvez só por uns dias. É difícil lutar contra algo que quase todos pensam inevitável. Difícil, mas não impossível. Era apenas uma câmara. Eram apenas crianças. Com nomes: Avijit, Gour, Kochi, Manik, Puja, Shanti, Suchitra e Tapasi. Forçadas a serem adultas cedo de mais. A sua história está em documentário: Born into Brothels (vencedor do Melhor Documentário na 77ª edição dos Óscares)."

www.kids-with-cameras.org
www.zanabriski.com
www.thinkfilmcompany.com/brothels


Puja, 11 anos, Homem na rua


Kochi, 10 anos, Subindo as escadas

21.9.06

Sobre deuses e profetas


PB, Bodhgaya (Índia)

“Buda fala dos problemas que existiriam, mesmo para o homem que tivesse toda a parte material da sua existência perfeitamente resolvida: ele próprio é um príncipe que tem tudo quanto quer e que tudo abandona porque sente o trágico da vida, de uma vida que é trágica exactamente porque é vida; a acção, por consequência, aparece como um mal para o Buda; o que encontramos em Cristo é bem diferente: Jesus vem dos pobres, é um deles, e interessam-no pouco as questões metafísicas, como o interessam pouco as questões morais que não signifiquem uma ajuda para o estabelecimento do Reino; a piedade, o amor ao próximo, são em Buda uma consequência da vanidade e da dor de viver: deve-se ser bom para tudo o que existe, porque tudo sofre de existir; a piedade de Jesus, o amor que ele reclama são uma força revolucionária, nesse sontido de que hão-de apressar a vinda do mundo divinizado: se o rico amasse o seu irmão, pensa Jesus, as riquezas igualmente distribuídas dariam para todos e o mundo seria feliz; mas Buda, ao abandonar a riqueza, não o faz por amor aos outros: sendo pobre sofre menos, porque vive com menos intensidade. Exactamente porque não anseia por nenhum modelo do mundo, mas quer abolir o mundo, exactamente porque não tem de apontar aos homens um padrão de existência e uma esperança de protecção, mas o Nada, Buda não precisa de Deus; em Jesus ele aparece continuamente e tão presente em tudo, nos céus, na terra, nas plantas e nos meninos, que quase poderíamos falar num panteísmo (…)"
Agostinho da Silva, O Cristianismo, Edição de Autor, 1942, pags 14,15



PB, Bodhgaya (Índia)


“Tudo o que é belo e nobre resulta da razão e do cálculo. O crime, cujo gosto o animal humano bebeu no ventre da mãe, é originariamente natural. A virtude, pelo contrário, é artificial, sobrenatural, uma vez que em todos os tempos e em todas as nações foram precisos deuses e profetas para a ensinar à humanidade animalizada, visto que o homem por si só seria incapaz de a descobrir. O mal faz-se sem esforço, naturalmente, por fatalidade; o bem é sempre produto de uma arte”
Charles Baudelaire, A Invenção da Moralidade, Relógio D’Água, 2006, pág. 309

13.9.06

Puerta del Sol




por las calles de Madrid
my friends and me
com la movida bebiendo cañas
por las calles de Madrid
comiendo tapas y bocadillos
my friends and me
por las calles de Madrid
Bellas Artes y Dalí



[1998, foto RM]

9.9.06

Sobre a gravidade

"Por vezes, no seu modo desbragado de falar, dizia, Que a gravidade era um salteador errante; e acrescentava, - e da mais perigosa espécie ainda por cima, porque era fingido; e por isso, acreditava ele piamente, mais pessoas honestas e de boa-fé eram por ela despojadas dos seus bens e dinheiro num só ano do que carteiristas e roubos em lojas em sete anos inteiros. No temperamento franco que um coração alegre revelava, dizia ele, Que não havia perigo, - a não ser para a própria gravidade: - portanto a essência desta era planear, e consequentemente enganar; - o que era um truque sabido para ganhar mais crédito no mundo do que aquilo que o senso e o conhecimento de um homem valiam; e isso, com todas as suas pretensões, - não era melhor, e muitas vezes era pior até, do que aquilo que um espirituoso francês há muito definira, - isto é, Um misterioso porte do corpo para cobrir os defeitos do espírito, - definição de gravidade [de François de La Rochefoucauld, nas "Máximas"] que Yorick, com grande imprudência, dizia merecer ser gravada a letras de oiro."

Laurence Sterne, A Vida e Opiniões de Tristam Shnady, págs. 85 e 86, segundo tradução de Manuel Portela (actual director do TAGV), que tenta manter a pontuação original deste texto do século XVIII

1.9.06

INDY - RIP (1988-2006)



Tenho nas mãos a última edição do semanário O Independente. É uma morte previsível, que acompanhei, infelizmente com a atenção de um credor. O Independente foi um jornal importante para mim, pois teve a gentileza (graças principalmente à atenção do Nuno Tiago Pinto e também do Leonardo Ralha) de publicar alguns dos que considero serem os meus melhores trabalhos jornalísticos.
Por muitas notícias "mal cozinhadas" que tenha divulgado, via-o como um espaço alternativo aos grandes grupos de comunicação e também como "rampa de lançamento" de jovens jornalistas.
Aqui fica, em jeito de epitáfio, um dos diversos obituários publicados hoje na imprensa nacional, da autoria de André Macedo (Diário Económico), com o qual concordo:

"O Independente publica hoje a sua última edição. Há muito que o jornal estava doente. Há muito que a morte se adivinhava. Ela acontece hoje: é um dia triste - porque foi uma grande publicação -, mas não é um dia surpreendente. Acontece também uma semana depois de a revista The Economist ter feito capa com um título à Independente: 'Quem matou os jornais?' Na verdade, ninguém os matou, mas todos os anos fecham, outros abrem (menos) e a indústria é forçada a encontrar novas receitas para sobreviver. É a vida, são assim os negócios, com a imprensa não é diferente. E ainda bem.
Quando os jornais deixam de interessar aos leitores, o melhor é pôr uma pedra sobre o assunto. Jornais falidos que continuam a chegar às bancas são como velhos petroleiros de casco roto: só poluem e intoxicam o ambiente. Não fazem bem a ninguém. São instrumentos de pressão ao serviço de interesses e corporações sem rosto. Não informam, desinformam. Sem leitores e sem independência financeira não há verdadeiro jornalismo. É por isso que o melhor para o velho 'indy' é desaparecer. A memória que ele deixa é a de um jornal que não foi justo, mas foi livre. No fundo, é essa a missão dos jornais. Há governo? Sou contra! Que grande jornal ele foi."

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