30.12.05

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21.12.05

Sobre o exótico



"Para compreendermos por que razões achou Flaubert exótico o Egipto, talvez seja útil examinarmos os seus sentimentos em relação à França. O que lhe parecia exótico no Egipto – isto é, novo e precioso ao mesmo tempo – era, sob múltiplos aspectos, o avesso do que o enfurecia na pátria. Tratava-se, para abreviar as coisas, das crenças e do comportamento da burguesia francesa que, desde a queda de Napoleão, se tornara a força dominante na sociedade, determinando o teor da imprensa, da política, das maneiras e da vida pública. Para Flaubert, a burguesia francesa era um repositório da hipocrisia, do pretensiosismo, da afectação, do racismo e da pomposidade mais extremos. ‘É estranho como as mais banais expressões [da burguesia] por vezes me assombram’, lamentava-se ele, com uma raiva contida. ‘Há gestos, tons de voz, que não suporto, observações imbecis que quase me causam vertigens…o burguês… é para mim qualquer coisa de imenso.(…)
Do dia que desembarcou em Alexandria em diante, Flaubert apercebeu-se do caos, tanto visual como auditivo, da vida egípcia, e sentiu que aquele era um meio que lhe convinha: barqueiros que gritavam, carregadores núbios que ofereciam os seus serviços, mercadores que regateavam, os sons que soltavam as galinhas sacrificadas, os zurzidos dos burros, o lamento dos camelos.(…)
A estética de Flaubert era uma estética da profusão. Gostava da cor da púrpura, do ouro e das turquesas, e por isso as cores da arquitectura egípcia fascinaram-no.(…)



Por que razão o caos e a riqueza tocam Flaubert? A verdade é que ele pensa que a vida é fundamentalmente caótica e que, exceptuada a arte, o desígnio de instauração de uma ordem implica uma negação censória e hipócrita da nossa condição. Expõe os seus sentimentos a esse respeito numa carta a Louise Colet, escrita durante uma viagem a Londres, em Setembro de 1851, passados apenas alguns meses após o seu regresso do Egipto: ‘Acabámos de voltar de um passeio pelo cemitério de Highgate. Que enorme degradação da arquitectura egípcia e etrusca, tudo aquilo! Tudo aquilo tão limpo e arranjado! Dir-se-ia que os seus mortos morreram calçando luvas brancas. Odeio os jardinzinhos à volta das sepulturas, com os canteiros bem cuidados e as suas flores desabrochadas. É um contraste que sempre me faz pensar no desfecho de um mau romance. Em matéria de cemitérios, prefiro os que estão em ruínas e ao abandono, invadidos de silvas e ervas bravas,e onde aparece a pastar alguma vaca, vinda de um campo vizinho. Temos de reconhecer que é preferível isso a um polícia fardado! A ordem é tão estúpida'



O exotismo dos burros que defecam

‘Ontem estivemos num café que é um dos melhores do Cairo’, escreveu Flaubert poucos meses depois de ter chegado à capital, ‘e enquanto lá estávamos havia um burro que defecava e um cavalheiro que urinava a um canto. Ninguém estranha estas coisas, ninguém diz nada.’ E, aos olhos de Flaubert, estava muito bem assim.
Um dos artigos fundamentais da sua filosofia sustenta que não somos criaturas simplesmente espirituais, mas seres que urinam e defecam, e que deveríamos integrar as consequências dessa ideia incontornável na nossa visão do mundo. ‘Não posso acreditar que o nosso corpo, composto de lodo e de excrementos e dotado de instintos mais baixos que os dos porcos ou dos chatos, contenha qualquer coisa de puro e de imaterial’, confessou ele uma vez a Ernest Chevalier. O que não significa a negação de uma dimensão superior. Acontecia apenas que a hipocrisia devota e o fariaísmo da época suscitavam em Flaubert o desejo de lembrar aos outros as impurezas humanas e de, se necessário, pôr-se ao lado dos que urinavam nas esplanadas dos cafés, ou do próprio marquês de Sade, paladino da sodomia, do incesto, da violação e do desvio de menores (‘Acabo de ler um artigo biográfico sobre Sade do [célebre crítico] Janin’, explicava Flaubert a Chevalier, ‘que me encheu de repulsa por Janin, que aproveita a ocasião para se alargar em defesa da moral, da filantropia e das virgens desfloradas…’)
Flaubert descobriu e saudou aprovadoramente a tendência que leva a cultura egípcia a aceitar a dualidade da vida: merda-espírito, vida-morte, pureza-sexualidade, loucura-lucidez. Nos restaurantes, as pessoas arrotavam à vontade. Ao cruzar-se com ele numa rua do Cairo, um rapazinho de seis ou sete anos exclamou à laia de brinde: ‘Desejo-lhe toda a prosperidade deste mundo e, sobretudo, uma grande verga!’"

Alain de Botton, A arte de viajar, págs.82-90

13.12.05

Uivos


(Jan Bengtsson)


Canto primeiro

"Born in this world
You got to suffer
Everything changes
You got no soul
Try to be good
Ignorant and happy
If you hit the blues
Eat jelly sweets
Die when you die
Die when you die
Lay down you lay
Die when you die"


Canção do corpo mortal
no corpo onde há-de morrer tudo o que tenho
na inspiração vertiginosa do poema a mudar de vida
nos sítios que deixei arrefecer, que faço ainda aí?
nas barreiras onde não as havia dantes
na possibilidade de expansão no Mundo
no seu ar radiante sem precisarmos de dizer nada
"nos melhores da minha geração, destruídos pela loucura, esfomeados, histéricos, nus"
no cabelo olhos castanhos 70 quilos metro 75
no algo que nos eleve do marasmo, da melancolia
nos caroços de peito no cancro para a cura
na dor aguda gemendo suores e ladainhas
nos sutras do buda cosmológico Amitabha, atenção ao Som
na fístula aberta sangrando constantemente
no fascismo de casino (terceira via)
no gozo, esse estilo heróico
no tudo é forma é eterno vazio
nos fraseados de allegro a sotto voce
na aura verdadeiramente misteriosa do único
nos miradouros miratejos
no abismo uns dos outros
"in music strong I come, with my cornets and my horns"
na necessidade de me iludir, de novo
na usura da cidade desencantada, cantando
nas emissões de rádio livre
nos motivos não verbalizados está a ser difícil ser
na matriz o pater
nos emparedados
nas gatas mortas mijando rosas de encontro ao paredão
no comprar tudo feito
nas seis verdades ou perfeições budistas
nos aposentados do 46 entre Santa Clara e Cruz de Celas
no Monte de Vénus febril e húmido
nos putos com bola há ali uma escola com sala de convívio e conselho directivo
no cansaço de tanta humanidade, tanta humanidade na televisão
no hoje após ontem que foi igual a amanhã
no riso tonto das velhas do yoga
na miséria com que nos agredimos
nas instalações neuróticas de dançar sozinho
no Deus que está na nossa cabeça
nos arremedos de romantismo embatendo violentamente num ser arredado da paixão e do seu pathos
no Inferno somos nós
“dans la musique savante qui manque a notre désir”
nas pazadas do coveiro sobre um pedaço de mim
nos miasmas loquazes de última análise
na viagem que não pode ser adiada
na esplanada de vistas para o rio com mulheres dentro
na compaixão eterna de Samantabhadra
nos buracos confortavelmente burgueses vivendo por procuração
na líbido não está comigo
no pensar o indizível seria nomeá-lo
na sabedoria de manter os preceitos: não ser insincero!
na universalidade da beleza a universidade a unidiversidade
no in girum imus nocte et consumimur igni
na verdade de estado adere ao mercado tudo o que é falso será denunciado
“nas suaves vibrações do desejo dadas com carne mão falo para coxa e vagina”
nas musas raras em curto circuito
nos vagabundos do dharma
no "estar sempre do outro lado da festa"
nas espécies umbrícolas
nos equívocos do silêncio nos equívocos das palavras
na linguagem dos Sátiros
nas mulheres pedradas igrejas imaculadas etc,etc, etc
na utopia que já não consigo dizer
nas corporações do cimo da colina a viver da exploração
na empresa onde escravamos a trabalhar
no "whoever degrades another degrades me"
no pensamento parado dos Lunáticos ZaZen
nos jardins eflúvios do Palácio, por paisagens de fertilidade e abundância
na verdade contra o Mundo ou vice versa
"na orgia de todos os olhos radiantes beijando o seu corpo mortal"
no pátio interior onde te ocultas de novo
nos teus olhos
com os teus olhos
com os teus olhos
a sós


Canto Terceiro
"Hei, Father Dead, I‘m flying home
Hei, Poor Man, y‘re all alone
Hei, Old Dady
I know where I‘m going
Old Aunty Dead
Don‘t hide your bones
Old Auncle Dead
I hear your groans
Oh, Sister Dead
How sweet your moans
Oh, Old Dead
Your word‘s are true
Thank for inspiring me
To sing this blues
Genius Dead
Your art is done
Lover Dead
Your body‘s gone
Father Dead
I‘m coming home"

[Escrito em 2000. Os cantos primeiro e terceiro são da Ma Rainey.]

10.12.05



Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q. (1919-1940)

4.12.05

"Horizonte dos possíveis"

Já tiraste os teus quinze dias de férias este ano? já foste comprar uma gravata parecida com a do colega? já estás no quadro (que bom!)? o banco deu-te crédito para o apartamento no centro da cidade que os teus familiares e conhecidos acham apropriado para ti? qual é o spread do teu empréstimo? já casaste e foi bonito? consegues amealhar para o primeiro filho? dás-te bem com o teu patrão? o médio é-te suficiente? tens um carro último modelo? andas com um ar contentinho no centro comercial? tens TV Cabo e ligação à Internet? sentes pavor da miséria? gostas de ver televisão à noite para passar o tempo? nunca deixas o portátil em casa, pois pode sempre ser necessário e dá uma imagem de empreendedorismo e sofisticação? tens dinheiro investido numa conta poupança? quando viajas gostas de ficar em bons hotéis, pois não és nenhum pelintra? bebes um copo com os amigos de vez em quando? planeias mudar-te para a capital, onde terás mais possibilidades de ascender na carreira (ou a capital já não é suficiente para ti e vais emigrar)? não tens tempo para ler e gostas do que fazes? fazes caridade no natal (e vês, compungido, as reportagens sobre a consoada dos sem-abrigo? já não podes com o teu marido (mas é só uma fase) e sentes atracção pelo colega? envelheces tranquilamente e sem crises? aguentas porque "é a vida"? reprimes a libido para não subverter a ordem social (ou então és licencioso e frequentas as putas)? tens medo de ficar ainda mais abandonado e sozinho? andas a ler o livro da moda?

"Portugal tem uma sociedade normalizada. Significa isto que a vida individual e social do português encontra limites internos aquém dos que são a priori necessários para estabelecer uma vida em comum. Limites que passam despercebidos, mas impedem os indivíduos de experimentar ou criar alternativas em zonas essenciais da existência(…)
Digamos que o velho Portugal rural e pré-industrial fechado sobre si e sobre o seu império colonial pertencia à categoria das sociedades disciplinares com as suas instituições correspondentes (escola, prisão, fábrica, exército, Estado autoritário, etc.). A entrada de Portugal na Europa leva-o na direcção das sociedades de controlo (em que os mecanismos regulamentares decorrem directamente do funcionamento tecnológico dos serviços e as subjectividades correspondentes tornam-se, por assim dizer, dispositivos programados, como um elo da cadeia das novas tecnologias que controlam gestos, comportamentos, corpos, afectos).
Como consequência desta tensão, os hábitos de obediência e submissão que os portugueses trouxeram do autoritarismo salazarista mal começaram a desintegrar-se foram logo apanhados pelas tecnologias de controlo que surgiram. Que tipo de subjectividades está a resultar desta situação? Apesar de demasiado complexas, variadas e mutantes para serem descritas e classificadas rapidamente, um traço, no entanto, parece dominante: são subjectividades passivas que desposam a ilusão da actividade e da iniciativa. Ilusão, porque apenas se lhes oferece uma direcção única, a do controlo. É aliás, o que os discursos político, económico, social, cultural das instituições e dos media não cessam de nos dizer. Não há outras vias (políticas, económicas, sociais), não há outra maneira de viver, de educar, de instruir, de tratar, de organizar o lazer, de viajar, de se divertir, de amar. A abertura à Europa e ao mundo oferece-nos nesta sociedade globalizada a tecnociência ao serviço da globalização.(…)
O horizonte dos possíveis encolheu terrivelmente. Mas não se dá por isso, porque o próprio desejo de o alargar desapareceu. O sentido único manifesta-se nos mesmos tons e plano de pensar da classe política, da esquerda e da direita; no mesmo tipo de crítica artística ou literária que praticam indivíduos diferentes, na mesma linguagem do prazer, na mesma e monótona maneira de colocar problemas em todas as esferas da vida. O empobrecimento do horizonte dos possíveis explicaria assim a apatia, a anestesia da sociedade portuguesa.(…) Assim vão as subjectividades portuguesas. Não é este o maior obstáculo à democracia, à descoberta da vida livre e aberta?"

José Gil, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, págs. 44-47

1.12.05



Money Jungle, álbum lançado originalmente em 1962 e reeditado pela Blue Note. Puro génio, com Roach (para mim, o melhor baterista de todos os tempos), o libertador Mingus e o elegante Ellington.

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