29.5.05

Paulo Nozolino


[Rapaz morto em Sarajevo]

Depois de ler no Mil Folhas (Público) uma entrevista ao Paulo Nozolino, reflicto sobre a velha questão entre o preto e branco e a cor. Se uns dizem que o preto e branco está ultrapassado e era uma limitação da técnica (até pode ser verdade para o fotojornalismo), outros mantêm-se esteticamente fiéis ao preto e branco. Nozolino tem fotos excelentes, rugosas, cheias de contraste e grão. Ele diz que a cor é ordinária e é uma frivolidade. Não precisa da cor, que é, para ele, ruído. E acha que o preto e branco lhe permite trabalhar mais a foto na impressão, principalmente os contrastes. No sistema analógico, quando se fotografa a cores, não há nada a fazer na fase de impressão. É possível fazer algo antes, através das escolhas de filmes e de filtros (por exemplo, quando se fotografa em África, a alta temperatura de cor pode ser compensada). No digital já é muito mais fácil mexer nos contrastes e noutros aspectos da imagem.
Quanto ao preto e branco, não sou fundamentalista. Acho que há assuntos, talvez a maioria, em que a cor é a melhor opção. Há outros, como os retratos, em que o preto e branco pode ser forte. Mas, revisto o Nozolino (que tem uma exposição antológica no Museu de Serralves até 10 de Julho; como gostava de poder lá ir), fico tentado a fazer mais experiências com o preto e branco e rolos com maior sensibilidade. Mas o óptimo era poder imprimi-los (infelizmente, não tenho ampliador), já que o interesse do preto e branco está na impressão (ou no photoshop, mas não é a mesma coisa, nada substitui a magia de ver aparecer a imagem ao banhar o papel fotográfico no revelador) e não no negativo. Está nos efeitos pictóricos que se podem obter.


[Retrato de Etienne Roda Gil]

25.5.05

"A jovem R sorriu quando me viu no teatro com os seus olhos verdes e quando me viu minutos depois no passeio escuro sorriu outra vez comentando que já era a segunda eu sorri com os meus olhos pretos nebulosos e baços pensando que a podia arrastar junto a mim e dar-lhe então o que ela queria ou que precisava mas... é claro que eu não sabia o que a jovem R queria ou que precisava mas podia ser mesmo aquilo que se faz que se pensa em qualquer passeio escuro pois este é o meu poema e nele tudo é possível.
E foi isso que fiz."


"Ele sabe que nasceu fora do tempo e do contexto no parágrafo errado da história certa para ser lida a qualquer criança que sonhe em dormir ele atravessa a ponte vislumbrando o rio débil fio de água para a sede do gigante que não se vê ele vive na invisibilidade do possível mas como já não há heróis ele apenas navega na impossibilidade das coisas".

Ricardo Mendonça Marques

20.5.05



Der Untergang, filme realizado em 2004 por Oliver Hirschbiegel e protagonizado Bruno Ganz (Adolf Hitler), Alexandra Maria Lara (Traudl Junge), Corinna Harfouch (Magda Goebbels), Ulrich Matthes (Joseph Goebbels), Juliane Köhler (Eva Braun) e Heino Ferch (Albert Speer).



Destaque para o papel de Bruno Ganz como Hitler, que é simplesmente brilhante. Como já tinha mostrado noutros filmes (por exemplo, em As Asas do Desejo), trata-se de um actor inspirado.

17.5.05

flirt

Rosto que se mostra no coração da minha cidade
Rosto que pressinto
Rosto inquietante
Rosto fugaz
misterioso
Rosto fumando cigarros
Rosto que, em silêncio
me encara com pudor
Rosto contido
idealizado
Rosto que fortalece
Rosto que conforta
que me protege
que me atira
dilacerado
para os dias absurdos
os dias obscuros
os dias sem ninguém
Rosto que, por fim
me lança um sorriso de desafio

(1999)

12.5.05

Crónicas de Guerra

I - Tenho a reforma toda para ler



Este homem irrita-me. Sinto-me um analfabeto. Não percebo onde quer chegar, as suas crónicas não têm história, falta-lhes o princípio, o meio e o fim. E, no entanto, continuo a lê-lo...Chego ao fim do primeiro parágrafo e já estou a pontos de desistir..."Apetece-me pegar no boneco ao colo mas já não tenho idade para estas coisas. São oito horas e a clarabóia mais nítida que a sala. Escrevo praticamente às cegas, encavalitando as linhas no papel. Nem existo, quase. Existe o cabelo cor de laranja, a tulipa de borracha, objectos que se vão amortalhando no silêncio."
Mas de que raio está ele a falar? O meu filho, que é doutor licenciado, disse-me que ele é o melhor escritor português vivo, que merecia o Nobel e essas coisas. Todas as semanas, ao folhear a revista, deparo-me com o seu rosto envelhecido, o escasso cabelo grisalho, um olhar imperscrutável. Por baixo, um título a letras gordas, quase sempre desolador ou sentimentalista. Hoje é "OLHOS CHEIOS DE INFÂNCIA" e eu pergunto-me porque haveria de ler um texto com tal título. Só se for por ter a reforma toda para ler, ou por não estar ninguém em casa – nem sequer o gato - e detestar ambientes de café. Quando vier do trabalho, lá para as cinco, a minha mulher traz-me o pão e os cigarros para o lanche, depois preparará o jantar e à noite vemos televisão.
Hoje não me apetece vestir. Fico a olhar para a foto tipo passe deste homem e faz-me lembrar o meu filho que vejo de mês a mês, quando vem à terra. "É o melhor escritor português vivo", disse-me, categórico. E quando lhe perguntei porquê, não percebi a resposta. Está diferente, agora dá-se ares de intelectual. Tem a mania e eu tenho a reforma toda para ler e não gosto de lamechices.
"Pensando melhor, ninguém tem olhos de infância por trás da pintura, sou eu que sou parvo. Ninguém tem olhos de nada. Existem olhos apenas, e acabou-se."
Não sei porque não viro a página, porque continuo a ler. Irrita-me. Não percebo. Está mal escrito, faltam-lhe vírgulas e pontos finais. Mais valia ligar a televisão, ver o filme que ontem gravei às escondidas. E, no entanto...
"Houve crescidos. Ao chegar a minha altura de crescer dei-me conta que eram umas pobres criaturas indecisas. O chofer de táxi cospe com competência, interessado nas nádegas do travesti, hesita, decide-se, volta a hesitar: uma pobre criatura indecisa."
(2001)

7.5.05

O valor do vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno e o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo; Homem de Palavra[s]

3.5.05



Sonata ao luar (Nr.14), de Beethoven, tocada por Maria João Pires. Disco editado em 2001 pela Deutsche Grammophon.

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